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domingo, 21 de junho de 2015

UFSM: A lista Burmann-Schlosser e a mentalidade criminosa

Por Luis Milman

As críticas de Hannah Arendt ao julgamento de Eichmann a antipatizaram com a liderança do Mapai (o partido socialdemocrata, à época no poder em Israel, sob a liderança de Ben Gurion), mas nem de forma remota respaldam as invenções repugnantes que Bourdoukan escreve.

Resta-nos esperar, agora, que o Ministério Público Federal, logo depois o Poder Judiciário, revelem as razões pelas quais essa gente, que acredita e propaga esta espécie de lixo pelos campi universitários, digam seus motivos para obter uma relação de israelenses na UFSM.

O artigo Serão os semitas humanos? (revista Caros Amigos, nº 68, novembro de 2002), do jornalista Georges Bourdoukan, é uma arenga antissemita que ao leitor atento, judeu ou não, só pode causar repulsa. Mas é importante começar este texto com uma menção a ele, porque Bourdoukan, que tem muita influência no meio político e estudantil trotskista, reproduz a revelação de uma história, segundo ele, secreta do sionismo, elaborada e difundida ainda pela extinta União Soviética, a partir da metade dos anos 1960 e hoje propagada mundo afora, por movimentos trotskistas pró-palestinos, como o tal Comitê Santamariense de Solidariedade ao Povo Palestino, ligado ao Foro Social Mundial Palestina Livre. O Foro se reuniu em Porto Alegre, há dois anos, com o apoio do governo Tarso Genro. As tais entidades que fizeram o pedido ao Reitoria da UFSM, para que fornecesse a informações se havia ou a perspectiva de haver, docentes ou discentes na universidade, estão entre os grupos de pressão que fizeram Tarso Genro, no final de seu governo, cancelar um convênio que o estado assinou em 2013 com a Elbit, uma empresa israelense de desenvolvimento tecnológico para aviação instalada em Porto Alegre. Tarso explicou, por meio de seu secretário de relações internacionais, que o governo gaúcho, com a decisão de romper com a Elbit, alinhava-se ao movimento internacional pelo boicote, desinvestimento e sanções contra o Estado de Israel, suas empresas, artistas, cientistas, professores e estudantes.

O texto de Bourdoukan reproduz, além de outras fabulações, a narrativa de Ralph Schoenmann, um trotskista americano, feitas no livro The Hidden History of Zionism, de 1988. Em entrevista concedida à revista Teoria e Debates do PT (edição nº 9, janeiro-março de 1989), para Marcus Sokol, líder, até hoje, da tendência petista O Trabalho, ele afirmava que “em 1941, o partido de Itzchak Shamir (o Likud de Benjamin Netaniahu) concluiu um pacto militar com o 3º Reich alemão, que consistia em lutar ao lado dos alemães e fundar um estado autoritário colonial, sob direção nazista.”


A afirmativa era uma variante do material de propaganda soviético produzido em ampla escala, a partir dos anos 1960. Na militância comunista-confessional, atuante nos campi universitários, no meio cultural e político partidário, artigos e livros como os de Bourdoukan e Schoenmann impulsionam as ações de apoio e difusão do movimento internacional BDS (Boicote, Desenvestimento e Sanções), iniciado em 2005, contra Israel, e o recente pedido, feito à Reitoria da UFSM, por uma lista de alunos e professores israelenses na universidade, a hoje famigerada Lista Burmann-Schlosser.

No Brasil, o confessionalismo marxista antissemita tem abrigo entre petistas das tendências Democracia Socialista (DS), e O Trabalho, além do PSOL, PC do B, PSOL, PSTU e PCO, todos trotskistas. Eles atacam Israel de forma incendiária, em revistas como Vermelho e Marxismo Vivo. O antissemitismo desta pregação é autoexplicativo, seja pelo uso essencialista, depreciativo, do termo "judeu" na menção que faz a políticos israelenses, seja porque, entre outras barbaridades racistas, afirma que os judeus sionistas foram os maiores aliados dos nazistas e corresponsáveis pela criação dos campos de concentração. Esta ideologia está na base da fundação do movimento BDS, financiado por ONGs internacionais, Irã, Arábia Saudita e Qatar (para detalhes, ver Edwin Black, Financing the Flames, 2013).

Nos últimos 50 anos, o antissemitismo tornou-se fácil de ser praticado sob o nome de antissionismo ou anti-israelismo. Basta ler os textos dos seus expoentes, como Roger Garaudy, Robert Faurisson, Pierre Guillaume, David Irwing, Serge Thion, Israel Shamir, Noham Chomsky e Edward Said e Emir Sader (o último no Brasil) para citar alguns dos mais conhecidos antissemitas e antissionistas de hoje, alinhados à esquerda ideológico-confessional marxista. Todos praticam distorções cínicas e se valem de um arsenal de acusações mentirosas e depravadas para defenderem, alegadamente, a causa palestina. Este ativismo tenta demonstrar a todo custo que Israel não pode existir, porque é racista, fundamentalista, imperialista e por aí vai.

Bourdoukan faz parte de uma militância intelectual profissionalizada , a exemplo dos franceses Thion e Guillaume, que dizem repudiar o racismo e orientar-se pelo internacionalismo anti-imperalista. Eles reivindicam, obviamente, o marxismo como fonte inspiradora. Há um manifesto de Guillaume, sobre a linha de pensamento da editora antissemita Velha Toupeira (Paris), que invoca a "autoridade do texto fundador de Karl Marx, ‘Sobre a questão judaica’", de 1843, para defender o "antijudaismo radical sempre proclamado urbi et orbi ... ." (P. Guillaume, Carta a Phillip Randa, La Vielle Taupe, 1998).

Eliminar o judaísmo, o sionismo e o Estado de Israel é uma coisa, como propugna Guillaume, e as seitas confessionais trotskistas que pululam nos campi universitários do mundo todo, em apoio à causa palestina... Eliminar fisicamente os judeus, como os nazistas pretenderam, é outra. Os sionistas, segundo eles, gostam de embaralhar tudo. Os judeus desprovidos de judaísmo são pessoas como todo mundo, mas o judaísmo e o sionismo, vade retro. Afinal, qual a razão do sofrimento dos povos, da existência das guerras? Quem está promovendo o genocídio palestino? A dominação judaica (dos governos, dos bancos, da mídia, dos cartéis de petróleo)! Assim, na guerra santa contra os judeus-sionistas e Israel, é preciso revelar como as coisas realmente são. Esta é a missão revolucionária de Bourdoukan e da militância ligada ao movimento BDS, que, diga-se em tempo, a cumprem de maneira metódica e expansiva, como prova o caso de Santa Maria, com a Lista Burmann-Schlosser. Vejamos algumas das revelações de Bourdoukan: o hierarca nazista Heirich Heidrych era judeu. A russa judia Golda Meyer dizia que as crianças palestinas eram animais de duas patas, e Israel foi criado pelos nazistas. Quem garante é Hannah Arendt e os arquivos da União Soviética!

É verdade que quem, pela primeira vez, passou a propagar a “revelação”, foram os soviéticos, depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967. E qual era a versão soviética para o surgimento do movimento sionista? A campanha antissemita dos soviéticos, um aspecto permanente do regime totalitário depois de 1967, era conduzida pelo nome em código de “antissionismo”, que se tornou uma dissimulação de toda a variedade de antissemitismo. Nesta condição, foi transplantado para a tese do anti-imperialismo leninista (ver o texto de Lênin, canônico para todos os comunistas, Imperialismo, a fase adiantada do capitalismo, de 1916). Os soviéticos, em sua doutrina oficial, adaptaram o conceito de sionismo ao de colonialismo; e o estado sionista a um posto avançado do imperialismo.

Alguém pode lembrar, aqui, que a União Soviética de Stálin foi o primeiro país a reconhecer o Estado de Israel, depois de sua criação, em 1948. Certo. Mas Stálin foi motivado por razões geopolíticas: ele pretendia marcar, através de Israel, a presença russa no Oriente Médio, para contrapor-se aos EUA, Inglaterra e França. Como não conseguiu, desde o começo da década de 1950, a propaganda antissionista soviética sempre foi intensificada e tornada mais abrangente, acentuando os vínculos entre o sionismo, os judeus em geral e o judaísmo. Centenas de artigos, em revistas e jornais por toda a União Soviética, retratavam os sionistas e os líderes israelenses como elementos comprometidos em uma conspiração internacional, lado a lado com as diretrizes dos antigos Protocolos dos Sábios de Sião, o livro apócrifo clássico sobre a existência de um governo mundial judaico, produzido pela Okrana, a polícia secreta czarista, no início do século XX, para insuflar os aterrorizantes pogroms contra os judeus russos (para mais detalhes, ver Paul Johnson, História dos Judeus, 1987; Walter Laqueur, The Changing Face of Anti-semitism, 2008).

Nos anos que se seguiram à Guerra dos Seis Dias, até o seu colapso, a máquina de propaganda soviética se tornou a fonte principal de material antissemita do mundo. Ela reunia matérias de praticamente todo segmento arqueológico da história antijudaica, desde a antiguidade clássica até o hitlerismo. O volume destes materiais começou a igualar-se com os que os nazistas produziram. O talvez mais famoso livro deste acervo de propaganda - que se espalhava por incessantes e repetitivos artigos e radiodifusões até brochuras orientadas - chama-se O Judaísmo e o Sionismo, de Trofim Kychko (1968), no qual ele expõe “a ideia chauvinista da escolha de Deus pelo povo judeu, a propaganda do messianismo e ideia de reinar sobre os povos. ” Em A Rastejante Contrarrevolução, de 1974, em outro livro clássico desta propaganda, escrito por Vladimir Begun, se lê que “... a Bíblia é um insuperável manual de sanguinolência, hipocrisia, traição, perfídia e degenerescência moral. ” As mesmas afirmações foram feitas, anos depois, por José Saramago, o conhecido escritor português, que jamais negou seu stalinismo.

Agora, chamo atenção para a pedra de toque deste antissemitismo delirante, de amplitude global, defendido pelos movimentos comunistas pós-soviéticos e, em especial, pelos trotskistas. Trata-se da relação entre os nazistas e os sionistas. A história começou a circular na década de 1970 e apregoava que os sionistas (israelenses) eram sucessores dos nazistas, afirmação “comprovada pela evidência” de que o próprio Holocausto de Hitler fora uma conspiração judaico-nazista para se livrar dos judeus pobres, que não podiam ser usados nos planos sionistas. Na verdade, conforme se alegava, o próprio Hitler tirava seus planos de Theodor Herzl, o fundador do sionismo político, em 1898. A revelação soviética seguia: os líderes judaico-sionistas, que agiam sob ordens de judeus milionários que controlam o capital financeiro internacional, ajudaram a SS e a Gestapo a arrebanhar judeus indesejados, ou para as câmaras de gás ou para os kibutzim, iniciando a colonização judaica moderna da Palestina, e desterrando a população árabe nativa, dando origem à dramática situação do povo palestino. Essa conspiração judaico-nazista foi usada como fundamento, pela propaganda soviética, para acusações de atrocidades contra os governos israelenses, sobretudo durante e depois da Guerra do Líbano de 1982. A ilação, aqui, era direta: Como os sionistas já haviam se sentido felizes em se juntar a Hitler no extermínio de seu próprio povo, conforme publicado no Pravda, edição de 17 de março de 1984, não causaria espanto que agora massacrassem árabes libaneses, que eles consideravam sub-humanos.

Mesmo o mais elementar senso de prudência é mandado às favas pelo fervor militante do antissemitismo comunista oficial, hoje representado pelas revistas Caros Amigos, Vermelho, ou Marxismo Vivo. Para a grande maioria das pessoas informadas minimamente sobre Israel, é dizer que Golda Meyer jamais se referiu aos palestinos de forma abjeta, como Bourdoukan afirma. E aqueles que conhecem Hannah Arendt sabem que seu texto Eichmann em Jerusalem, foi conspurcado pelo racismo hidrófobo do articulista de Caros Amigos.e pela milícia da esquerda confessional. As críticas de Hannah Arendt ao julgamento de Eichmann a antipatizaram com a liderança do Mapai (o partido socialdemocrata, à época no poder em Israel, sob a liderança de Ben Gurion), mas nem de forma remota respaldam as invenções repugnantes que Bourdoukan escreve, nos passos de Schoennman e dos propagandistas soviéticos.

O antissemitismo é uma patologia moral e política, mas já produziu desastres suficientemente conhecidos para ser tolerado, seja lá a que pretexto for. A verdade é que seus propagadores comunistas sempre o exercitaram metodicamente com cinismo, em nome da fraternidade dos homens, e com isto obtêm respaldo de organizações e grupelhos de fanáticos prosélitos adeptos de um espantalho marxista-leninista apodrecido, engajado na luta contra o opressivo Estado judeu.

A obsessão antijudaica nestes, digamos, setores ideológicos, chegou a tal ponto que, em 1998, o jornalista José Arbex Junior, editor especial da revista Caros Amigos, que se diz ultra-pacifista e também é muito ligado ao Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST), de João Pedro Stédile, escreveu longo comentário sobre uma notícia publicada no Sunday Times, de Londres, segundo a qual os israelenses haviam sintetizado um vírus que liquida apenas os árabes e poderia ser propagado por ar ou água. Assim, a disseminação não apresentaria qualquer risco aos judeus, se viesse a ocorrer nos territórios palestinos ocupados. O devaneio era explícito: para atingir o objetivo, o tal vírus teria de possuir algum tipo de crença seletiva, a ponto de se achar capaz de distinguir entre o DNA de árabes e de judeus ou de seja lá quem for. O ponto aqui é que vírus não têm crenças, logo não podem ser imbecis. Por isto, jamais haverá um tão idiota como os antissemitas delirantes que acreditam, como Arbex, que um vírus étnico possa existir. Dias depois de sua publicação no Sunday Times, descobriu-se que a notícia reproduzia parte uma novela de ficção de terceira-linha, jamais publicada e escrita por um ex-funcionário de um instituto de pesquisas israelense. A história foi desmentida pelo Sunday Times.

A asneira, inspirada na acusação medieval de que os judeus envenenavam os poços durante a época da Peste Negra, na Europa, serviu para Arbex discorrer sobre a sinistra ciência praticada secretamente pelo governo israelense. O jornalista advertia para a degeneração moral dos genocidas sionistas, capazes de criar um monstro que faria Hitler babar de inveja. E, obviamente, esbravejava contra o silêncio da mídia mundial sobre a revelação alarmante.

Os artigos de Bourdoukan e Arbex foram publicados no lugar certo. Depois de oferecer uma antevisão do Armagedon racial made in Israel, Caros Amigos revelou que os sionistas foram corresponsáveis pela criação dos campos de concentração nazistas. Afinal, alguém duvida do que são capazes os sionistas? Não dizia a judia russa Golda Meyer, segundo Bourdoukan, que as crianças palestinas são bestas caminhando sobre dois pés? Os antissemitas sempre foram assim mesmo. Se há algo degenerado que ninguém seria capaz de fazer, então aparece algum judeu ou sionista, como Golda Meyer, e faz. Nada que venha a causar estranheza. Afinal, os judeus-sionistas eram os maiores aliados dos nazistas e inventaram um vírus que dizima os árabes.

Resta-nos esperar, agora, que o Ministério Público Federal, logo depois o Poder Judiciário, revelem as razões pelas quais essa gente, que acredita e propaga esta espécie de lixo pelos campi universitários, digam seus motivos para obter uma relação de israelenses na UFSM. Talvez queiram nos convencer que praticam um antissemitismo inofensivo, uma forma de discriminação benigna e indisputável contra os vilões preferidos da humanidade ao longo da história. Elaborar listas negras de israelenses, neste contexto, pode lhes parecer, até mesmo, desejável. E assim se apeguem à crença de que não cometeram crimes, porque estão a falar das fáusticas maquinações judaicas para dominar o mundo.





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Luis Milman é jornalista e professor de filosofia.

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