Há uma relação estabelecida entre os homens. Essa relação
pode se dar de uma maneira fluida, quando está de acordo com as nossas
inclinações e princípios ou de uma maneira tensa. O eu e o outro se relacionam
sempre em um esforço de convergência para a socialização, mesmo que esse
esforço se revele em conflitos. Aqui, chega-se a um dos aspectos de uma
doutrina que se consagrou como aquela que desvelou na luta de classes o motor
da História.
A Sociologia de inspiração marxista oferece uma
interpretação abrangente da sociedade moderna e uma compreensão das leis de
evolução da história baseada em uma teoria das estruturas sociais, das relações
de força e das relações de produção. Essa doutrina é global, totalizante e
determinista e, muitas vezes, suas ideias são apresentadas como conquistas
definitivas e como bandeiras políticas a serem levantadas. Como corrente
interpretativa e como estudo social ela se solidificou no imaginário coletivo,
fazendo crer que a sua previsão para o futuro da sociedade poderia ser aplicada
para sempre. Quando se levantou a bandeira dessa doutrina, aplicando-a
efetivamente na história, houve, de um lado, aqueles que lutaram para se libertar
de uma exploração contínua e, de outro, aqueles para os quais a apropriação
dessa teoria serviu de pretexto para o aparecimento de sistemas de governo
autoritários ou totalitários.
Esse modelo é, pois, um obstáculo a ser enfrentado pela
Sociologia que pretende continuar evoluindo. Sem desmerecer o valor da teoria
marxista, parte-se aqui do pressuposto de que sua leitura social enquadra-se em
um dado momento da história e que, sendo a história dinâmica e imprevisível,
cabe à Sociologia construir novas formas de pensamento, novas teorias, novas
propostas e novas ações a fim de reavivar aquilo que sempre foi seu ideal: a
compreensão da sociedade para a modificação social em direção a um patamar mais
lúcido, mais coerente, mais humano e mais justo.
Outros pensadores devem colaborar, portanto, para a
construção de um pensamento social voltado para a atualidade e para a
possibilidade de intervenção na realidade. Outros autores devem se fazer
presentes nesse quadro animado que professores e alunos observarão juntos: o
quadro de uma sociedade viva, pulsante, dinâmica, ávida por construir um futuro
melhor. Por meio do estudo, da leitura atenta e da reflexão, lograr-se-á êxito
em colocar o estudante dentro do movimento vertiginoso de teorias e de ações
humanas, na tentativa de compreensão daquilo que o homem produziu com o seu
trabalho, com o seu talento, com a sua luta e com o seu amor.
Colocamo-nos assim como porta-vozes de um desejo: o de que
essa disciplina recentemente posta no currículo do Ensino Médio possa ser
revigorada pela mente crítica e perspicaz dessa juventude que a vivencia, que a
estuda, que a configura segundo os seus próprios projetos e segundo as suas
mais nobres aspirações. Temos a certeza de que a reiterada comunicação daquilo
que já foi dito não é o suficiente para o florescimento de uma nova geração.
Antes, é preciso uma apropriação, uma renovação e uma justa crítica de tudo
aquilo que porventura venha a ser apresentado.
Levando-se em conta que a Sociologia tem por particularidade
tomar por objeto de estudo transformações sociais que envolvem campos
ideológicos opostos e que o professor dessa disciplina ocupa um desses campos,
é necessário discernir com clareza os efeitos que o posicionamento social e
político do professor tem na vida intelectual de seus alunos. O professor
precisa tomar consciência de sua própria posição, sendo a lucidez acerca desse
ponto condição para o rigor do conhecimento que pretende repartir. Mais
importante ainda é colaborar para a autonomia intelectual daqueles que estão
sob sua influência em vez de doutriná-los com as próprias convicções.
Atualmente parece superado o debate que, de início, ameaçava
reduzir a Sociologia às ciências naturais. Trata-se, hoje, a Sociologia em seu
caráter específico; no entanto, vive-se uma época que se convencionou chamar de
crise da pós-modernidade, caracterizada, entre outras coisas, pela desilusão
com as promessas modernas de emancipação humana. Essa crise atingiu fortemente
as ciências sociais, de modo que hoje se questiona até que ponto seria possível
reverter esse quadro sem uma revisão de seus principais paradigmas.
A crise da Sociologia deve-se principalmente ao descompasso
entre sua capacidade explicativa e a nova realidade social. Tratam-se, muitas
vezes, algumas categorias da análise sociológica como realidades históricas.
Por exemplo, ainda se utiliza, muitas vezes, o sistema de classes burguesia e
proletariado – típico do capitalismo industrial – no contexto de relações muito
mais complexas do capitalismo globalizado, contexto esse em que a própria
existência de classes sociais poderia ser posta em dúvida.
Vivencia-se hoje uma nova era de transição social: a
sociedade industrial nacional está sendo substituída por uma sociedade
informacional global na qual a identidade gerada tanto pelo trabalho quanto
pela nação está sofrendo um processo profundo de desconstrução devido à
revolução informacional e à globalização. Nesse sentido, questiona-se, por
exemplo, a concepção do trabalho como categoria central da sociabilidade
humana, já que, para alguns estudiosos, caberia à linguagem e não ao trabalho
esse papel fundamental.
A Sociologia estuda o homem inserido em seu meio. Sendo este
meio variado e heterogêneo, cabe ao sociólogo a tarefa de, na medida do
possível, buscar encontrar as semelhanças que possibilitem uma descrição social
válida. O universo social global, heterogêneo e multicultural pertence ao
sociólogo como objeto de estudo tanto quanto a pequena aldeia indígena com seus
hábitos particulares. O horizonte de aplicação da análise sociológica
pretende-se, portanto, ao mesmo tempo local e global. A Sociologia quer fazer
não apenas a experiência concreta de uma dada realidade social, mas quer também
projetar suas informações para a consecução de teorias mais abrangentes. Foi
assim que, no começo do seu desenvolvimento, a Sociologia ocupou-se tanto das
observações restritas quanto das teorias gerais. Atualmente, constata-se uma
espécie de ruptura ou de intervalo entre esses dois métodos. De um lado,
postulam-se teorias abrangentes e, de outro lado, compilam-se informações. Essa
fissura precisa ser superada, pois cabe a essa disciplina tanto a acuidade da
investigação empírica quanto perspicácia da hipótese generalizada.
O que se verifica, portanto, é a necessidade de se fazer um
balanço crítico das conquistas e fragilidades da Sociologia, a fim de que seja
possível a essa disciplina continuar exercendo o seu papel na explicação dos
fenômenos sociais. Já não faz mais sentido partir simplesmente das relações de
produção como dimensão condicionante da política, da cultura e da própria
consciência. As questões são bem mais complexas e não se deixam capturar por
tais reducionismos. A disciplina que se pretenda menos uma ideologia que um
instrumento sério de análise e interpretação da realidade precisa efetivamente
desvincular-se de todas as pretensões dogmáticas que a prejudicam.
Sempre que a Sociologia se faz presente, o que se pretende é
alcançar um nível de interpretação capaz de propiciar ao homem não apenas o
espetáculo de uma história já desenvolvida, mas aumentar o poder criativo e a
capacidade de transformação. Como toda ciência, a Sociologia é capaz de criar
saber. Mas, devido a algumas particularidades, ela requer mais do que outras
ciências uma vigilância constante em relação ao conhecimento que produz, pois
esse conhecimento pode, além de ser falso, tornar-se uma ideologia.
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