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terça-feira, 30 de junho de 2015

Eu não aceito um regime legal que dependa mais da vontade de quem enverga a toga do que das leis que lhe garantem aquela investidura


Vamos ver. Você tem a impressão de que a imprensa publica mais notícias favoráveis ou contrárias à Odebrecht? A resposta é óbvia. E nem extraio dessa resposta um juízo moral sobre o jornalismo. Afinal, a empreiteira está sendo investigada pela Operação Lava Jato, que tem trazido à luz toda sorte de descalabros. Um único delator aceitou devolver US$ 97 milhões — um preço e tanto para quem decidiu ser um bom homem, não é mesmo? Mas será que a empresa não tem o direito de falar, de se defender, de expor o seu ponto de vista? Parece-me que sim.

Foi o que fez a advogada Dora Cavalvanti, uma das defensoras da empresa e de Marcelo Odebrecht, que está preso. Ela concedeu uma entrevista ao Globo, no sábado. Afirmou que pensa em denunciar a organismos internacionais a violação de direitos de seus clientes; que se tenta usar antecipação de juízo de mérito para decretar prisão preventiva; que o juiz Sergio Moro usou como uma das razões para decretar a prisão preventiva de um executivo o anúncio em jornal em que a empresa se defende; que as delações premiadas estão sendo ajustadas ao sabor das oportunidades… Eu, por exemplo, vejo esses vícios, sim, e creio que têm de ser eliminados.

Muito bem! O Ministério Público precisa gostar do que leu? Não! Mas me digam: quantas coletivas e entrevistas exclusivas já concederam os procuradores? Sem contar os vazamentos, não é?, que estão em todo canto, que partem da PF, da Justiça ou do MP. Ou dos três. Então a advogada não pode falar?

Pois é… A julgar por nota divulgada pelos procuradores que atuam na Lava Jato, o único direito de um acusado é o silêncio. Leiam nota divulgada por eles, reagindo à entrevista de Dora Cavalcanti. Volto depois.

NOTA PARA A IMPRENSA

Os Procuradores da República que atuam na Força­tarefa Lava Jato vêm manifestar seu total apoio ao Juiz Federal Sérgio Moro, Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, em face da entrevista de Dora Cavalcanti, publicada ontem, 27 de junho, no jornal O Globo, intitulada “Advogada da Odebrecht estuda denunciar juiz da Lava­Jato por ‘violação aos direitos humanos’”.
A entrevistada parece desconhecer que o sistema judicial brasileiro prevê vários recursos e diversas instâncias recursais, tendo os investigados inúmeras possibilidades de obter a revisão das decisões tomadas pelo Juízo Federal, não sendo razoável, muito menos respeitoso ao sistema republicano, que sejam lançadas, por meio de notas ou entrevistas como aquelas recentes, acusações vagas, desrespeitosas e infundadas à atuação do juiz federal Sérgio Moro.
A afirmativa de que pretende recorrer a uma Corte Internacional para a garantia do direito de seus clientes sugere, fortemente, que os dez Delegados, os nove Procuradores, o Juiz Federal, a Corte de primeira instância, os Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e os Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estão mancomunados para violar direitos humanos dos seus clientes, o que é de uma total irresponsabilidade, senão desespero. Essa abordagem conspiratória, já refletida em entrevista anterior, negligencia a independência, maturidade e imparcialidade de nossas Cortes, refletindo estratégia que procura reverter, no campo midiático, as inegáveis evidências em desfavor da cúpula da empresa.
Em uma república, não se deve pretender que a justiça seja cega para os crimes praticados por ricos e poderosos, mas sim cega na diferenciação entre ricos e pobres, pessoas com ou sem influência, fatores que em nada devem afetar o resultado dos processos.
Sua abordagem superficial e interessada deixa de considerar a farta prova material dos crimes praticados por seus clientes. Foram, a título de exemplo, apreendidas planilhas com divisão as obras por empresa, nas quais constava a empresa Odebrecht como parte do “clube” de empreiteiras cartelizadas. Dezenas de milhões de dólares pagos por empresas no exterior aos funcionários da Petrobras foram bloqueadas e devolvidas. Tal é a robustez das provas que várias das empresas não colaboradoras já reconhecem boa parte dos crimes praticados. A insistência da Odebrecht, bem como de seus advogados, em negar a realidade, a ausência de apuração dos fatos na empresa e a falta da aplicação pela empresa de qualquer sanção àqueles que praticaram os crimes apenas confirma as demais evidências de que a corrupção era determinada e praticada na cúpula da empresa. Não se trata de prejulgar mérito ou investigados, mas de repetir juízo sobre as provas já feito, em caráter provisório, em processo público, em pedidos de medidas cautelares.
Por sua vez, ao contrário do que sugere a advogada, os acordos de colaboração premiada são de responsabilidade do Ministério Público Federal, não do juiz. O número de colaborações no presente caso decorre de vários fatores, sobretudo da robustez das provas em relação aos investigados, da experiência prévia dos procuradores com essa técnica de investigação e estratégia de defesa, desenvolvida no caso Banestado; mas principalmente do interesse público envolvido em seu emprego, dadas as peculiaridades do crime de corrupção e a sofisticação das técnicas de lavagem empregadas. O argumento de que prisões foram usadas para obter colaborações não tem qualquer base na realidade, pois mais de dois terços das colaborações foram feitas com réus soltos, fato que a advogada que atua no feito não deve desconhecer.
Cabe às partes, seja no curso do processo penal ou da investigação criminal, quando insatisfeita com alguma decisão, valer­se dos meios processuais adequados e, no caso da defesa, dos inúmeros recursos previstos. Embora todos tenham o direito de expressar sua opinião sobre decisões, não cabe buscar, por meio de acusações absolutamente infundadas na imprensa, e afirmação irresponsável e desconectada da realidade sobre suposto sentimento do juiz, tolher a liberdade da Justiça, que tem o dever de fazer cumprir a lei e a Constituição, com pleno respeito aos direitos e às garantias do cidadão”.

Retomo


A nota, lamento ter de escrever isto porque dá conta do destrambelhamento em curso, é um primor de autoritarismo. Em primeiro lugar porque ao MP, órgão acusador, não cabe se solidarizar com o juiz porque este, até onde se sabe, atendendo à etimologia da palavra “justiça”, há de ser o elemento neutro entre quem acusa e quem defende.

Dizem os procuradores que cabe às partes “valer-se dos meios processuais adequados”. Sim, é verdade. Parecem sugerir que uma entrevista não é o meio processual adequado. Três perguntas: a) isso vale também para os procuradores ou só para os advogados? Terei aqui de publicar links com as dezenas de entrevistas concedidas?; b) vazamentos seletivos são “meios processuais adequados?”; c) nota à imprensa, em que o MP já se comporta como juiz, é um “meio processual adequado”?

Finalmente, noto que os doutores reconhecem o direito à livre expressão — e folgo que eles anunciem concordar com o Artigo V da Constituição —, mas demonstram seu inconformismo que Dora Cavalcanti o tenha exercido, donde se conclui que parecem achar aceitável a tal liberdade de expressão, desde que não seja exercida.

Encerro


Até onde eu vou com essas questões? Até onde ditar a minha consciência. E fim de papo. Já disse umas 500 vezes: já foi mais difícil do que hoje contestar supostas unanimidades. Quem tem a força punitiva e os instrumentos coercitivos é o estado. É inaceitável, no regime democrático, que se queira impedir um acusado de se defender. Essa nota dos procuradores é um despropósito.

Como foi um despropósito o juiz Sergio Moro, num despacho de prisão preventiva, censurar a Odebrecht por ter publicado um anúncio no jornal. O governo Dilma passa, a Odebrecht passa, tudo passa… As instituições ficam. Eu não aceito um regime legal que dependa mais da vontade de quem enverga a toga do que das leis que lhe garantem aquela investidura.

E estou tão certo disso como dois e dois são quatro. Na Operação Satiagraha — que está a merecer uma revisita, com uma recuperação detalhada de fatos e implicações —, por muito pouco, jornalistas e colunistas não foram parar na cadeia.


Há só um modo bom de fazer as coisas na democracia: dentro das regras.

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