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sábado, 23 de maio de 2015

Take your time, Brazil!


Preparemos o futuro, porque o petismo vai passar, de um jeito ou de outro chegará o dia em que os brasileiros vão enxotar esta que é a mais infame camarilha que já governou a nação.

Quando a poetisa americana Elizabeth Bishop visitou o canteiro de obras da cidade de Brasília não pode deixar de registrar seu espanto com a ausência de ferrovias que a levassem até lá. Executava-se um projeto deveras ambicioso, o de levantar no coração do Brasil, no meio do nada, na aridez do sertão, uma grande capital imperial de nome latino, tal qual idealizara José Bonifácio; e, contudo, na precipitação dos trabalhos, entre a escavação de lagos artificiais e a ereção de monumentos comunistas, ninguém até então se dera ao trabalho de considerar como os brasileiros, ora pois, deveriam chegar até o local! Era o espírito do tempo, do Brasil de JK, a urgência de avançar, progredir, de percorrer “50 anos em 5”.

Somos uma nação jovem, diz o cliché; donos de nosso destino apenas a partir de 1822. Como ensina Mário Vieira de Mello em seu Desenvolvimento e Cultura, nosso primeiro século de existência independente foi um tempo de condescendência, no qual se reconhecia as mazelas, se apontava os problemas, com a consciência de que havia muito por fazer, mas reputando tudo sempre como desculpável, explicável por nossa juventude. Com o tempo, com o trabalho, cedo ou tarde haveríamos de atingir o patamar dos povos da Europa, que tinham o privilégio de carregar uma bagagem de séculos, ou até milénios de civilização. Engatinhávamos. Subitamente, todavia, despontou ao Norte um gigante que vencia europeus no campo de batalha, que erguia torres que chegavam até o céu, que fabricava automóveis, aviões, navios, e tudo o mais que se possa imaginar, que decidia uma guerra mundial. O êxito fulminante dos Estados Unidos, quase tão jovens quanto nós, abateu-se sobre o Brasil como pujante humilhação. Doravante não havia mais desculpa, não havia mais perdão. Caiam as escamas dos olhos nacionais. O Brasil revelava-se definitivamente um país atrasado, periférico, um povo bárbaro que ficara para trás na carreira da História.

Desde então a pressa, um sentimento de urgência, um aflitivo imediatismo, tomou de vez a alma nacional. O Brasil já não tinha tempo a perder, era preciso correr, fazer 50 anos em 5, construir um Brasil-Potência até o ano 2000, realizar um Programa de Aceleração do Crescimento, etc. e tal. Pressa, pressa, sempre a pressa a pautar nossas decisões! Levamos luz elétrica aos rincões e aos subúrbios, mas em horrorosos postes de concreto com a fiação exposta. Construímos estradas e pontes, mas com aparência militar, cinzas, feias, sem adorno, sem acabamento. Conspurcamos as paisagens naturais e urbanas com obras apressadas, minhocões, aterros, autovias, com símbolos do “progresso”. Em Desterro, no Rio de Janeiro, nas cidades costeiras do Nordeste, erguemos desnecessários arranha-céus, numa arquitetura culturalmente estranha, inadequada ao clima, que deletou a linha do horizonte e soterrou a herança tradicional portuguesa. Tudo feito em nome do progresso, do avanço econômico e da urgência. E tudo em vão, continuamos bárbaros, comparativamente pobres, irrelevantes.

Anos atrás, fazendo check-in num dos aeroportos de Londres, vi-me apressado, buscando freneticamente os documentos dentro da bolsa, como se acossado por capatazes imaginários, quando a gentil atendente da companhia aérea tranqüilamente me disse: “Take your time, sir”. Só então percebi que não havia nada premente, que eu podia fazer as coisas com calma, respirando, num ritmo humano. Mais tarde pensei: Como traduzir esta expressão inglesa apropriadamente? “Take your time”? Por muito tempo não consegui achar equivalência directa.

Pensei em “tome o tempo que quiser”, que talvez funcione como tradução; mas logo percebi que, sinceramente, ninguém fala deste jeito no Brasil, e que o fato era que a sugestão tranqüilizante daquela mui polida senhora britânica estava ausente do vocabulário (e do imaginário) pátrio. No Brasil vivemos com tão intensos reflexos de pressa, um dos males da modernidade que por aqui fertilmente se alastrou, que a simples possibilidade de agir com calma sumiu de vez da nossa consciência. Não a toa somos campeões universais no consumo de ansiolíticos, tarjas pretas, maconha e afins. Ademais, se tudo é feito com pressa, nervosamente, também tudo é feito nas coxas, sem acabamento, sem planeamento, acabando por confirmar o adágio popular que diz ser a pressa inimiga da perfeição.

Já passou da hora de tirar o pé do acelerador e de se resignar. Os brasileiros da minha geração devem aprender que nós não vamos conseguir arrumar esta baderna que herdamos em menos de cinqüenta anos. Talvez seja preciso até um século; ou dois; ou três... Não adiante mais ficarmos oscilando nosso humor entre rompantes de otimismo injustificado, ao estilo “ninguém segura este país”; e ataques de frustração que dão azo aos decretos sombrios de que “isto aqui não tem jeito mesmo”. Em curto prazo, realmente, não tem; vamos continuar nesta lengalenga por umas boas décadas, talvez comemorando alguns eventuais vôos de galinha, talvez gozando alguma prosperidade vinda desde fora, de investimentos externos. Nada além disso. Uma nação próspera e civilizada é coisa que não veremos em nosso tempo de vida. E se quisermos que nossos netos ou bisnetos habitem um lugar mais respirável, precisamos começar agora a firmar as fundações do Brasil do século XXII, plantando sementes de civilização dentro de nós e de nossos filhos. Devemos começar a partir do básico, como o fez Alcuíno na corte carolíngia quando começou um Renascimento a partir das letras do alfabeto. Um Brasil melhor começa ensinando as crianças a ler e a escrever, a fazer contas, dando-lhas uma catequese decente, exigindo delas e de nós mesmos que sigam os códigos elementares de polidez e gentileza, que saibam agir como humanos autônomos, capazes de buscar com calma e reflexão a solução para cada um dos problemas do dia-a-dia. E também colocando livros de verdade para circular, imprimindo os milhares de títulos, clássicos e contemporâneos, faltantes na bibliografia disponível em língua portuguesa; e depois tratando de estudá-los, assimilá-los e propagá-los. Tudo bem devagarzinho, mas bem feito.

Preparemos o futuro, porque o petismo vai passar, de um jeito ou de outro chegará o dia em que os brasileiros vão enxotar esta que é a mais infame camarilha que já governou a nação. Então restarão os escombros, o rastro de destruição deixado pelos gafanhotos vermelhos. Mas em meio às ruínas hão de brotar as sementes que estamos plantando. E como o Mosteiro da Luz de Frei Galvão ou a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição de Santa Paulina, obras magnânimas e duradouras impulsionadas pelo mais puro sentimento de amor ao próximo, se Deus quiser, nossos esforços resistirão aos séculos.

Publicado originariamente no Jornal dos Jardins, Londrina/PR.


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Diogo de Almeida Fontana, 34, natural de Curitiba-PR, é livreiro, editor e escritor.

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