Após a ditadura do proletariado, imposta pelas exigências da
revolução socialista, viria o Estado feliz e paradisíaco da liberdade, sem
explorados e sem exploradores e, logo
depois, também sem Estado. Era esse o resumo da cartilha.
Embora a corrida para essa utopia tenha sido uma viagem
efêmera, muitas pessoas ainda não se desvencilharam dela e não desistiram de
tentar de novo, seja fazendo um balanço das perdas com a experiência vivida,
seja retomando-a a partir do momento em que ela teria se desviado do destino
correto. Isso levaria inevitavelmente a um retorno a Marx, ao século XIX, pois
sempre existirão pessoas com tendência a considerar o comunismo como um
tribunal inevitável para as mazelas do capitalismo que, de antemão, já foi
condenado.
Para os comunistas, o momento é ainda de depressão. Depois
da euforia provocada pelo marxismo-leninismo, pelo “pensamento de Mao-Tsetung”,
pelo “guevarismo”, pelo “fidelismo”, pelo “gramscismo”, pelo “eurocomunismo”,
pelo “trotskismo”, a hora é de uma grande ressaca. Afinal, eles não abandonaram
o comunismo. O comunismo é que os abandonou.
Todavia, isso provavelmente não irá durar muito, pois não há
como deixar de admitir que sempre existirão partidos de esquerda, pois a
sociedade - qualquer que ela seja - “produz desigualdades assim como
combustíveis fósseis produzem poluição” (frase do historiador marxista Eric
Hobsbawn).
Mas, como chegar às transformações que O Partido requer? Com
que mesclas de idealismo e realismo ele deveria passar a atuar? São perguntas
ainda sem uma resposta.
O comunismo morreu? Em termos, pois seu cadáver permanece
insepulto, uma vez que. como idéia-força, ele deixou profundas e extensas
raízes em todo o mundo. Fracassou, isto sim, um tipo de comunismo, aquele que
realmente existiu, como nossa geração é testemunha privilegiada. Foi o fim de
uma época histórica, que não voltará.
Considerando a definição de utopia (“a cobiça do
impossível”), alguns, ainda marxistas, desejam uma ”utopia viável” para o
marxismo moribundo. Ou seja, um impossível viável. Outros, como o escritor e
sociólogo marxista Jacob Gorender, que foi membro dirigente de dois partidos
revolucionários (o Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário) defendem “um marxismo sem utopia”. Nesse sentido, julgam que
seria importante atualizar o marxismo, retirando-lhe os elementos utópicos e
integrando à dialética formulações que dêem conta de aspectos do processo
histórico capitalista que Marx não soube ou, em sua época, não podia prever.
Desde logo, poderia imaginar-se um partido que fosse
realmente uma associação voluntária e democrática de vontades em busca de
objetivos precisos; um partido que permitisse a livre expressão e circulação
das idéias, com dirigentes eleitos e removidos democraticamente, onde não
existissem os privilegiados; um partido que estimulasse a participação e
submetesse democraticamente aos filiados as grandes questões, sem propostas de
“Resoluções Políticas” definidas em restritos “Comitês”; e que os candidatos a
cargos de direção fossem eleitos realmente pelas bases, e não por listas
previamente organizadas pelo aparelho dirigente ou por cooptação, como sempre
ocorreu.
A lucidez para encarar a falência da doutrina científica é
uma necessidade intelectual e política, embora seja necessário reconhecer que
um partido concebido para derrubar um sistema político-social e implantar
outro, seu antípoda, tenha exigências distintas daquelas dos partidos
tradicionais, e que o abandono dessas exigências implicaria em renunciar
aos dogmas científicos fundamentais da doutrina.
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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