Por Jarbas Passarinho
Especial para “O INCONFIDÊNCIA”
Os livros didáticos de História do Brasil adotados nas
escolas públicas brasileiras se revelam odientos e mentirosos acusando o Brasil
de haver se apossado de parte do território paraguaio. Indício claro de que o
ressentimento dos derrotados por 3 vezes recua, na História, à guerra contra o
Paraguai, de 1865 a 1870. Seus editores e autores são energúmenos como
historiadores e ignorantes como brasileiros, pois melhor deveriam conhecer os
fatos históricos, mesmo os sonegados pela cátedra revanchista, marxista e
incompetente.
Quando o ditador Solano Lopez iniciou as hostilidades, os
aliados concertaram o Tratado da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai)
que se propunha a respeitar a independência, a soberania e
a integridade territorial do Paraguai. O Brasil tinha,
de fato, velha pendência territorial com a República paraguaia, herdada
dos tempos coloniais, proveniente do Tratado de Madri de 1750 e do de Santo
Ildefonso, de 1777. Com a independência de nossos países, não se logrou logo a
eliminação da discordância quanto à linha da fronteira. No tratado de Madri,
Portugal se arrimou no princípio do uti
possidetis, o direito de propriedade do Paraguai à faixa de terra entre o
rio Igureí e o Salto das Sete Quedas, no Tratado Preliminar de Paz, de 1872,
desde que a Argentina igualmente abandonasse o direito à posse de todo o Chaco araguaio,
que o Tratado da Tríplice Aliança lhe atribuía.
Como a Argentina não concordasse, o Brasil negociou em separado
com o Paraguai. E mais: empenhou-se em defender os interesses do vencido, junto
ao presidente norte-americano Hayes, árbitro da disputa do Paraguai com a
Argentina, do que decorreu a manutenção do Chaco como território paraguaio. É
verdade que, em 1872, ao ceder a linha do rio Igureí ao Paraguai, no traçado da
fronteira, assegurávamos a divisa pelo rio Apa, encerrando uma divergência centenária,
o que acabou definitivamente ao construirmos a usina hidrelétrica de Itaipu, com
a submersão total das Sete Quedas.
Fui testemunha de uma cerimônia comovente, no transcorrer do
governo João Figueiredo. Em 1980 acompanhei-o em viagem a Assunção. O
presidente brasileiro levava ao presidente Ströessner a espada do marechal
Solano Lopez, retirado do acervo do Museu Histórico brasileiro. Nem mesmo foi
feita uma réplica, para manter em seu lugar no museu, lembrando a vitória na
guerra. Os generais paraguaios, ao verem a espada, abraçaram-se lacrimejantes.
O gesto de amizade parecia varrer resíduos de animosidade ainda persistentes.
Não devolvemos terras porque não a usurpamos. O Brasil nunca fez guerras de
conquistas. Nossas fronteiras decorrem de laudos arbitrais internacionais, respeitados
mesmo quando prejudicados fomos pelo rei da Itália, árbitro da pendência com a
Inglaterra, nos limites com a então Guiana Inglesa. Ele deu aos ingleses a
depressão do Pirara, mais que os britânicos pediam... O Acre, o adquirimos da
Bolívia, não sem antes o presidente Campos Sales haver garantido a soberania
boliviana sobre as terras virgens, que foram povoadas por seringueiros
nordestinos vítimas das secas, sublevados por Plácido de Castro. Isso, certamente,
os autores dos livros didáticos adotados pelo MEC e pela Secretaria de Educação
de Minas Gerais desconhecem. Deformam a História Pátria e têm servido para
professores, em suas aulas nos estabelecimentos de ensino médio, inocularem na
mente dos nossos adolescentes que a guerra contra o Paraguai foi um crime que fizemos
para servir ao imperialismo inglês. Dizem, ainda, a serviço de uma ideologia
fácil de identificar, que praticamos um deliberado genocídio do povo paraguaio.
Revoltante embora, esses supostos mestres vão fazendo prosélitos nos jovens. A
falsificação histórica tripudia sobre os cadáveres de milhares de brasileiros,
nos cinco anos de luta. Desde o sacrifício de Antônio João, ao imolar-se em
Dourados, até o epílogo nas cordilheiras paraguaias.
Preferindo à desonra de render-se às tropas inimigas
enormemente superioras, o simples guia Antônio João morreu no combate desigual,
não sem antes deixar escrita a mensagem que escrevera para a retaguarda:
Sei que morro, mas o meu sangue e o dos meus camaradas
servirão de protesto solene contra a invasão do solo de minha pátria. Para os nossos imberbes estudantes, Antônio João era um
desprezível peão no tabuleiro imperialista, Mato Grosso nunca foi invadido,
Alfredo D’Escragnolle Taunay inventou a narrativa da
Retirada da Laguna e o Rio Grande do Sul nunca foi atacado e parcialmente ocupado,
nas ações ofensivas que nos tomaram de surpresa.
Enquanto Solano Lopez, ao nos impor a guerra, pôde
mobilizar, desde logo, setenta mil combatentes, D. Pedro II tinha apenas pouco
mais de quinze mil, dispersos no nosso território. O ditador paraguaio,
sentindo-se forte, invadiu a Argentina, que lhe negou permissão para
atravessá-la com as tropas que visavam chegar a Uruguaiana, e declarou-lhe
guerra e ao Uruguai. Só isso basta para caracterizar o agressor.
Na guerra, a vitória exige a conquista de dois objetivos: o
político, a ocupação da capital do inimigo, e o militar, a derrota total da
capacidade de luta das suas tropas. Conquistada Assunção, o Marquês de Caxias
regressou à capital do Império em 19.01.1869 e recebeu o título de Duque em 23
de março do mesmo ano. Sem a menor possibilidade de resistir, o marechal Lopez
levou suas últimas reservas, mínimas aliás, a Cerro Corá. Repeliu a derradeira
intimação da vanguarda brasileira, já ferido mortalmente:
Não me rendo. Morro por minha pátria. É
cultuado como um herói. Mas é de convir que foi ele o grande responsável
pela dizimação de seu povo, na medida em que jamais aceitou negociar a paz e,
uma vez destroçadas as tropas regulares, recompletou-as recrutando adolescentes
e crianças. Só com a sua morte em 01.03.1870, a guerra acabaria. Sua bravura,
sem pensar no sacrifício imposto ao seu próprio povo, só aos paraguaios diz
respeito. A nós, cabe respeitar nossos mortos honrando seus feitos e não omiti-los
ou desmerecê-los como fazem certos autores e professores brasileiros que
deturpam a verdadeira História do Brasil.
(Publicado no Inconfidência nº 43 de 30/11/2001)
Fonte: Jornal Inconfidência nº 205, Pg. 5
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Jarbas Passarinho é Coronel Reformado, e presidente da
Fundação Milton Campos. Foi ministro de Estado, governador e senador pelo Pará.
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