Por Ricardo Senra
A professora Liz*, que diz ter sido atacada diversas vezes
por alunos, pediu para não se identificar por medo de represálias
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"Dou aula de porta aberta por medo do que os alunos
possam fazer. Não dá para ficar sozinha com eles", diz Liz*, professora de
inglês de dois colégios públicos da periferia de São Paulo.
Em 15 anos de aulas tumultuadas e sucessivas agressões (de
ameaças de morte a empurrões e tapas na frente da turma), a professora chegou a
tentar suicídio duas vezes – primeiro por ingestão de álcool de cozinha, depois
por overdose de remédios.
"Me sentia feliz quando comecei a dar aulas. Hoje, só
sinto peso, tristeza e dor", diz.
A violência contra professores foi destacada por internautas
em consulta nas redes sociais promovida pelo #salasocial, o projeto da BBC
Brasil que usa as redes para obter conteúdo original e promover uma maior
interação com o público.
Em posts no Clique Facebook e no Clique Twitter, leitores
disseram que a educação deveria merecer mais atenção por parte dos candidatos a
cargos públicos.
A pedido da BBC Brasil, internautas, entre eles professores,
compartilharam, via Clique Facebook, Clique diferentes relatos sobre violência
cometida contra profissionais de ensino. Houve também depoimentos feitos via
Clique Google+ e Clique Twitter.
VIOLÊNCIA CONTRA PROFESSORES
Segundo a Prova Brasil, do Ministério da Educação (MEC), um
terço dos professores que responderam ao teste em 2011 disse ter sido agredido
verbalmente por alunos. Um em cada dez afirmou ter sofrido ameaças e
aproximadamente um a cada 50 disse ter sido agredido físicamente por
estudantes.À reportagem, o MEC afirmou que promove o projeto "Escola que
Protege", cujo objetivo é "prevenir e romper o ciclo da violência
contra crianças e adolescentes no Brasil. A intenção é que os profissionais
sejam capacitados para uma atuação qualificada em situações de violência
identificadas ou vivenciadas no ambiente escolar".A secretaria da educação
do Estado de São Paulo disse entender "que o enfrentamento à violência no
ambiente escolar deve ocorrer em diversas frentes, que englobam polícia,
comunidade escolar e família. A pasta desenvolve desde 2009 em todas as 5 mil
escolas paulistas o Sistema de Proteção Escolar, programa que orienta as
equipes gestoras e apoia professores e alunos envolvidos em situações de
vulnerabilidade".
Segundo o psiquiatra Lenine da Costa Ribeiro, que há 25 anos
faz sessões de terapia coletiva com educadores no Instituto de Assistência
Médica ao Servidor Público Estadual, o trauma após agressões é o principal
motivo de licenças médicas, pânico e depressão entre professores. "Mais do
que salários baixos ou falta de estrutura", ressalta.
O problema, de acordo com especialistas consultados pela BBC
Brasil, seria resultado da desvalorização contínua do professor, do descompasso
entre escolas e expectativas dos alunos e de episódios de violência familiar e
nas comunidades.
Lápis afiado
A primeira tentativa de suicídio aconteceu assim que Liz
descobriu que estava grávida.
"Quando vi que teria um filho, fiquei desesperada. Eu
não queria gerar mais um aluno", diz a professora, que bebeu álcool de
cozinha e foi socorrida pela mãe.
A segunda aconteceu em abril do ano passado, após agressões
consecutivas envolvendo alunos da primeira série de uma escola municipal e do
terceiro ano do ensino médio de um colégio estadual, ambos na zona sul de São
Paulo.
"Começou com um menino com histórico de violência
familiar. Ele atacava os colegas e batia a própria cabeça na parede. Um dia,
para chamar minha atenção, ele apontou um lápis bem apontadinho e rasgou o
rosto de uma 'aluna especial' que sentava na minha frente", relata.
Ela conta que o rosto da aluna, que tem dificuldades motoras
e intelectuais, ficou coberto de sangue.
"Violência gera violência", diz Liz, ao assumir
ter agredido, ela mesma, o menino de 6 anos que machucou a colega com o lápis.
"Empurrei ele com força para fora da sala. Depois
fiquei destruída", conta.
Na semana seguinte, diz Liz, um aluno de 16 anos a
"atacou" após tentar mexer em sua bolsa.
"Ele disse que a escola era pública e que, portanto, a
bolsa também era dele. Eu tentei tirar a bolsa, disse que era minha e então ele
pulou em cima de mim na frente de todos", relata.
O adolescente foi suspenso por seis dias e voltou à escola.
O mesmo não aconteceu com Liz, que pediu licença médica e se afastou por um
ano.
"Não me matei. Mas não estou convencida a continuar
vivendo", diz.
Quadro negro e giz
A professora de inglês diz que a gota d'água para buscar
ajuda de um psiquiatra foi quando percebeu que estava se tornando "muito
severa" com a própria filha, de 6 anos. "Ali eu vi que estava
perdendo a vontade de viver", diz. "A violência na escola é física,
mas também é moral e institucional. Isso acaba com a gente", afirma.
A educadora diz que, nas duas oportunidades, não procurou a
polícia por "saber que nada seria feito e que os policiais considerariam sua
demanda pequena perto das outras".
Para a educadora, o modelo atual das escolas estaria
ultrapassado, o que tornaria a situação mais difícil. "Na sala de aula, eu
dou aula para as paredes. E se o aluno vai mal, a culpa é nossa. Essa culpa não
é minha, eu trabalho com quadro negro e giz. Enquanto isso os alunos estão com
celular, tocando a tela", observa.
Em comentário enviado via Facebook, Jorge Marcos Souza
foi um dos internautas que destacou o problema
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Em tratamento contínuo, ela diz que está, aos poucos, se
afastando do ensino na rede pública.
"Dou aulas particulares também. E estes alunos eu vejo
crescendo, progredindo", diz.
Abandonar a escola, diz a professora, seria o caminho para
resgatar sua autoestima.
"A alegria do professor é ver o progresso do aluno. É
gostoso ver o aluno crescer. A classe toda tirar 10 é o maior prazer do mundo, vê-los
entrando na faculdade é a nossa alegria", diz. "Mas não é isso o que
acontece".
*A pedido da professora, o nome real foi mantido em sigilo.
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