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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

As Contradições do Marxismo

Por Carlos I. S. Azambuja

“Nem todos os membros da esquerda subscrevem as palavras de Danielle Mitterrand: “Cuba representa a síntese do que o socialismo pode realizar” – frase que constitui a mais arrasadora condenação socialismo jamais proferida”. (Jean-François Revel, no livro “A Grande Parada” – 2001).

Os comunistas não admitem que existem contradições no marxismo e sim nos marxistas, que cometem falhas ao tentar colocar em vigor a “doutrina científica”.

Uma das manifestações mais visíveis da vassalagem explícita de todos os partidos comunistas do mundo a Stalin foi a adoção da tática das Frentes Populares, que significava uma aliança de partidos comunistas, socialistas e democrático-burgueses contra o fascismo, sancionada oficialmente pelo 7º Congresso do Komintern, em julho de 1935.

Em Cuba, todavia, como o PC – então denominado Partido Socialista Popular (PSP) – não conseguiu encontrar aliados social-democratas, liberais ou democratas, acabou apoiando o ditador Fulgêncio batista: “O Coronel Batista tornou-se um elemento importante da frente das forças progressistas (...). A reação e o fascismo unem suas forças e urdem planos desesperados para derrubar Batista” (Resolução Política do III Congresso do PSP, janeiro de 1939).

O Chile foi o único País da América Latina em que se tornou possível uma aliança desse tipo. Ali, o PC, o PS e o Partido Radical uniram-se sob a hegemonia deste último, possibilitando, em 1938, que Aguirre Cerda, líder da sua ala direita, fosse um candidato à Presidência e eleito presidente. Isso em detrimento de Marmaduque Grove, membro do PS, que havia liderado uma efêmera República Socialista, instalada no Chile durante 12 dias, em um levante militar, em 1932.

Mais tarde, em 1952, quando o PC e uma ala do PS finalmente uniram de fato, o candidato de ambos, o socialista Salvador Allende, obteve apenas 6% dos votos, só vindo a ser eleito presidente do Chile em 1970, quando se candidatou pela terceira vez.

Algumas declarações de um dos líderes do PC argentino, Gonzales Alberdi, ilustram os zigue-zagues da doutrina científica. Escreveu ele, em 1933, a respeito dos presidentes dos EUA, Franklin Delano Roosevelt: “Em Cuba, o poderoso movimento revolucionário das massas mostrou que Roosevelt é tão imperialista quanto Hoover” (“Informaciones”, outubro de 1933).

Mais tarde, em 1938, já sob a tática de Frente Popular ditada pelo Komintern, Gonzales Alberdi escreveria que “as tentativas ítalo-nazistas de promover o antiimperialismo contra os ianques fracassaram. As nações do continente compreenderam que a colaboração estreita com Roosevelt, que não pode ser considerado um representante das forças imperialistas do Norte, não diminui a autonomia de cada país e nem afeta a dignidade individual” (“Orientacion”, 15 de dezembro de 1938).

Mais adiante, em 1940, depois do pacto Molotov-Ribbentrop, Alberdi mudou de opinião mais uma vez e escreveu: “Em nome da luta contra o nazismo, o imperialismo ianque conspira contra as liberdades públicas das nações americanas” (“La Hora”, 14 de julho de 1940).

Após junho de 1941, no entanto, quando da invasão da Rússia pela Alemanha, e no contexto de uma aliança entre EUA e URSS, as análises voltaram a mudar. Então, qualquer propaganda contra o Imperialismo norte-americano passou a ser duramente criticada pelos partidos comunistas como “uma manobra a serviço do fascismo” e os críticos passaram a ser tachados de Trotskistas. “La Voz de México”, de 13 de maio de 1945, por exemplo, criticou a “demagogia antiimperialista dos trotskistas” e assinalou que “o esmagamento dos répteis trotskistas deve ser uma tarefa dos antifascistas”.

Desde essa época, denunciados como “provocadores” e “agentes do fascismo” pelos partidos comunistas, empurrados para as margens do movimento operário e internamente divididos em tendências e frações por lutas internas, os trotskistas ficaram e permanecem, até hoje, reduzidos a seitas compostas, em sua maioria, por intelectuais.

Em Cuba, embora Fulgêncio Batista tenha assumido o governo pela segunda vez, em 1952, por um golpe militar, o Partido Socialista Popular foi mantido na legalidade e seu diário, “Hoy”, continuou a sair. O ataque ao Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, do qual participou Fidel Castro, foi denunciado pelo PSP como “uma tentativa golpista, uma forma desesperada de aventureirismo típico dos círculos pequeno-burgueses sem princípios e envolvidos em gangsterismo” (“Carta do Comitê Executivo do PSP aos Militantes, 30 de agosto de 1953).

Apenas seis meses após o desembarque em Cuba, em 1956, dos integrantes do Movimento 26 de Julho, sob liderança de Fidel Castro, a direção do PSP voltou a manifestar-se: “É importante reafirmar que hoje, assim como ontem, rejeitamos e condenamos, e continueremos a rejeitar e condenar métodos terroristas e golpistas como ineficazes, prejudiciais e contrários aos interesses do povo” (revista “Fundamentos”, julho de 1957).

Somente em 1958, alguns líderes militantes do PSP se integrariam ao Movimento de 26 de Julho, contribuindo para o triunfo da guerrilha em 1959. Todavia, Blas Roca, Secretário-geral do PSP, em 1960, após a guerrilha ter tomado o poder, ainda escrevia: “Dentro dos limites a serem estabelecidos, é necessário garantir os lucros das empresas privadas, e seu funcionamento e desenvolvimento normais” (“Balanço do Trabalho do Partido desde a última Assembleia Nacional e o Desenvolvimento da Revolução”, Havana, 1960. Wladimiro Roca, filho de Blas Roca, é, hoje, um dissidente do regime cubano.

Após a morte de Stalin, em 1953, e o famoso discurso de Kruschev, em fevereiro de 1956, no XX Congresso do PCUS, denunciando os crimes de Stalin, foi inaugurada uma nova era para o comunismo na América Latina. Seguindo, como sempre, a orientação do PC soviético, que passou a defender uma política de coexistência pacífica, os partidos comunistas latino-americanos passaram a apoiar governos capitalistas considerados progressistas, como os de Juscelino Kubitschek e João Goulart, no Brasil.

Logo, o Partido Comunista Brasileiro buscou um fundamento teórico para essa nova linha política: “A contradição entre o proletariado e a burguesia não exige uma solução radical na presente etapa. Nas presentes condições do país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo (...). O proletariado e a burguesia se aliam em torno de um objetivo comum de luta por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano” (“Declaração Política do Comitê Central”, Rio de Janeiro, Março de 1958).

A partir da Revolução Cubana, frente à nova tática posta em prática pelo Movimento 26 de Julho, baseada nos escritos de Che Guevara e Regis Debray, que generalizaram para toda a América Latina determinadas lições da revolução Cubana – a principal delas a chamada “Teoria do Foco Guerrilheiro” -, iniciou-se um novo período revolucionário, classificado de Castrismo ou Fidelismo, fazendo com que os ortodoxos partidos do continente entrassem em queda livre devido à sangria de militantes que, cada vez mais, optavam pela luta armada imediata.

Nesse sentido, o documento conhecido como a “2ª Declaração de havana”, em 1962, desempenhou um papel fundamental, assinalando que “o dever de todo o revolucionário é fazer a revolução. Sabemos que a revolução será vitoriosa na América e no mundo, mas é indigno de um revolucionário sentar-se à porta de sua casa e esperar que passe o cadáver do Imperialismo”.

A vassalagem, no entanto, continuou, agora ao Estado cubano, conforme relatou Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (“Clemente”), que foi o último dos comandantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante os anos da Luta Armada. Em seu livro “Nas Trilhas da ALN”, teceu críticas à interferência dos cubanos na luta armada no Brasil, causadora de inúmeras mortes de militantes” e referiu-se “às evidentes contradições entre o real e a versão divulgada América Latina afora pelos cubanos”, assinalando que “o poder socialista instituiu a censura, impediu a livre circulação de ideias e impôs a versão oficial sobre a Revolução Cubana”.

Em tudo isso, não foi a monumental ignorância da doutrina científica que esteve na origem dos erros e contradições da esquerda, mas ela própria. Todavia, como o Partido  (assim, com inicial maiúscula) jamais erra, pois a doutrina é científica, a culpa nunca foi creditada á linha política, mas à sua má aplicação pelos militantes.

Nenhum partido comunista do mundo fez, jamais, uma autocrítica desses erros e dessas contradições. É como se não tivessem ocorrido... 


Fonte: Alerta Total


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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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