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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A Guerra das Redes

Por Carlos I. S. Azambuja
 
“Militares norte-americanos avaliam que o resultado das guerras modernas depende cada vez mais da informação e da comunicação, o que facilita a flexibilidade e tende a incentivar organizações em rede, no lugar das hierarquias dos exércitos tradicionais" (Francis Pisani, "A Doutrina Militar das Redes", Le Monde Diplomatique, junho de 2002)

O dia 11 de setembro de 2001 tem um significado dramático: nessa data foi desencadeada a primeira guerra mundial do século XXI, uma guerra na qual, queiramos ou não, já estamos mergulhados.

Qual é essa guerra? De quem contra quem? Como se prevê que ela vai se desenrolar? Só compreendendo em que guerra estamos, poderemos agir sobre ela a partir de nossos diferentes valores e interesses.

E o que há de novidade neste novo terrorismo? A sua cultura, fundada no dogma teocrático e no fundamentalismo religioso que revela um poder de mobilização extremo e desconhecido. Poder de mobilização praticamente impossível de ser obtido em sociedades laicas. O fundamentalismo religioso maximiza não apenas a capacidade de matar como a predisposição para morrer. O mártir que morre matando é uma arma poderosíssima.

Não é um choque de civilizações e nem um choque de religiões, porque a grande maioria dos muçulmanos e a quase totalidade dos governos dos países islâmicos se opõem ao terrorismo e, em grande medida, apostam na integração à economia mundial e à comunidade internacional. Tampouco é um choque entre os pobres e o capitalismo mundial, embora a exclusão social leve ao desespero do qual se alimenta o fanatismo.

Estamos diante de uma guerra das redes fundamentalistas islâmicas terroristas contra as instituições políticas e econômicas dos países ricos e poderosos, em particular dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Os confrontos armados entre Estados nacionais deram lugar a conflitos assimétricos em que um dos lados é integrado por grupos terroristas e/ou organizações criminosas. Outros fatores tornaram-se mais importantes que os físicos - número de efetivos e quantidade de armamento - e não há campo de batalha definido. Tudo pode acontecer, qualquer dia, a qualquer hora e em qualquer lugar.

Mas iludem-se os que imaginam que é suficiente uma resposta exclusivamente militar. Não é. É preciso mais do que isso: criar riqueza, estabilidade social e, sobretudo, restaurar o Estado e a Democracia, lá, onde prosperam as redes terroristas. Muitos estrategistas começam a duvidar de que somente a força física resolverá os complexos problemas de relacionamento entre os povos. O editor de temas de segurança do The Guardian, Richard Norton Taylor, escreveu em um artigo que dificilmente "o poder militar, sozinho, vencerá uma guerra novamente", especialmente a chamada "guerra contra o terror". Observem o que ocorre hoje, julho de 2014, na guerra assimétrica entre o Poder Militar israelense e o grupo terrorista HAMAS.

Na Netwar, ganha quem tem a melhor informação, não quem tem a maior bomba. O resultado dos conflitos depende cada vez mais da informação e da comunicação, o que facilita a flexibilidade e tende a incentivar organizações em rede, no lugar das hierarquias dos exércitos tradicionais.

John Arquilla, um norte-americano, ex-fuzileiro naval, professor em uma universidade militar, calcula que no conflito atual "90% de nossos esforços são constituídos de estratégias militares contra Estados (state actors). Isso reflete um pensamento militar arcaico, que data da ameaça soviética e não permite responder às necessidades de uma guerra contra uma rede". É também uma solução fácil, explica ele: "É um pouco como se, não sabendo o que fazer, se fizesse o que se sabe fazer. Sabemos como nos comportar diante dos Estados-Nações, mas não sabemos bem que atitude adotar frente às redes".

A identidade humilhada e o menosprezo cultural e religioso dedicado ao islamismo por algumas lideranças das potências ocidentais conduzem à resistência e à convocação à guerra santa. E essa resistência se concretiza na oposição à existência de Israel e se alimenta falando "da opressão" que Israel exerce sobre o povo palestino.

Portanto, o xis da questão está nessa identidade islâmica (não árabe) exacerbada e no projeto de defesa/imposição desses valores em todo o mundo, a começar pelos países muçulmanos. Essas redes de terror se alimentam também da frustração de setores (ou governos?) de alguns países muçulmanos, humilhados pelo que imaginam ou sentem ser o neocolonialismo dos países ocidentais. É possível, também, que as redes terroristas de origem distinta, incluindo setores da economia criminosa, possam encontrar formas táticas de cooperação com as redes islâmicas.

Resumindo, de um lado estão os EUA, a União Européia e todos os países que, de uma forma ou de outra, participam do sistema econômico e tecnológico dominante, incluindo a Rússia (que também se confronta com redes islâmicas, partindo da Chechênia), o Japão, a China e a Índia.

Do outro lado, há um núcleo duro e irredutível de redes terroristas do fundamentalismo islâmico, com possíveis cumplicidades de alguns governos, com alianças táticas com outras redes terroristas e desfrutando da simpatia difusa de setores das populações dos países muçulmanos e até de grupos de pessoas e de alguns dirigentes dos países citados no parágrafo anterior.

Essas redes diversificadas procuram impor seus objetivos utilizando as únicas armas eficazes, dada sua situação de inferioridade tecnológica e militar: o terrorismo de geometria variável, abrangendo desde o atentado individual até as matanças maciças, passando pela desorganização da complexa infra-estrutura material em que se baseia nossa vida diária, e contando com a transformação de pessoas em munição inteligente, mediante a prática generalizada da imolação.

Nesse sentido, o governo dos EUA iniciou, com o apoio de seus aliados, a mais difícil das guerras: a guerra contra uma rede global capaz de rearticular-se constantemente e de acrescentar novos elementos conforme outros vão sendo destruídos, porque se alimenta do fanatismo e do desespero social de milhões de muçulmanos.

Essa guerra não será parecida com a do Golfo. Até a morte e o sofrimento serão diferentes. Será uma guerra cruel, prolongada, insidiosa, que chegará a todos os cantos com múltiplas reações violentas dessas redes multiformes e bem equipadas, que sabem o que estão provocando e estão preparadas para enfrentá-las, sem excluir a possibilidade de armas químicas e bacteriológicas.

As redes humanas são bem diferentes das redes eletrônicas. Elas não são a Internet. São conexões políticas e emocionais entre pessoas que devem confiar umas nas outras para a rede funcionar. No caso das redes terroristas, as pessoas estão ligadas por laços familiares, casamento, princípios comuns, bem como interesses e objetivos. Mesmo que os terroristas estejam dispersos, eles sabem o que fazer. Não têm necessidade de uma liderança central.

Mas como se ataca uma rede? Falando em termos assépticos e com base em pesquisas sobre esses temas, parece necessário distinguir entre três processos. O primeiro é a desarticulação da rede. O segundo consiste em impedir que ela se reconfigure. O terceiro é evitar sua reprodução.

É sobre esse terceiro nível que versa a maioria das discussões bem intencionadas: é preciso estabilizar o mundo mediante a inclusão no desenvolvimento daqueles que hoje estão excluídos dele, é preciso praticar a tolerância multicultural, é preciso forçar Israel a aceitar um Estado palestino e vice-versa, e impor a judeus e palestinos a convivência mútua. Isso é difícil, mas não impossível. Há que tentar.

A primeira tarefa, na qual os governos ocidentais estão engajados agora, é a de vencer esta guerra, começando com a desarticulação da rede. Isso requer, por um lado, a identificação e eliminação de seus núcleos estratégicos, nos quais reside a capacidade de coordenação e tomada de decisões. Vem daí a intenção de destruir as bases operativas no Afeganistão, no Iraque, na Síria, no Líbano, na Líbia, no Iraque e em outros lugares ainda não determinados. Também nesse contexto foi importante a morte de Bin Laden, tanto por sua importância carismática de profeta do movimento como pelo valor simbólico de sua eliminação. Mas está ficando demonstrado que isso não é fácil!

O ponto fraco dos norte-americanos é a baixa qualidade das informações de que dispõem, conseqüência da queda no nível de seus serviços de Inteligência nos últimos tempos. Mas eles esperam compensá-la com a ajuda israelense, saudita, e, sobretudo, com a colaboração dos paquistaneses que sabem o que acontece no Afeganistão. Daí o papel decisivo que o Paquistão desempenha como aliado dos americanos.

A guerra do Afeganistão é apenas um elemento, embora importante, nessa fase de desarticulação das redes. Ao mesmo tempo, ações pontuais e imprevisíveis na Palestina, no Líbano, possivelmente na Líbia, no Egito e a invasão do Iraque pretendiam neutralizar, destruir e desorganizar os pontos de conexão identificados. Mas parece que isso não aconteceu.

A segunda fase seria evitar que grupos e agentes-chaves se transfiram ou reorganizem suas atividades com novos membros. O que conta aqui são três tarefas: detectar e interceptar os fluxos financeiros; interceptar as comunicações eletrônicas nas quais se baseiam os contatos globais; e enfrentar as novas ações de terrorismo com que as redes vão responder à luta.

A guerra contra essas redes vem sendo conduzida por um grupo de Estados e suas respectivas Forças Armadas, numa geometria complexa de alianças e interesses na qual os governos têm que lidar com a dupla dependência de sua lealdade à rede de defesa conjunta e das diferentes sensibilidades de suas diversas opiniões públicas. E as alianças vão variar na medida em que em alguns países, especialmente em países muçulmanos, ocorrerem reações populares contra o terrorismo.

A esperança de sobrevivência daquilo que hoje é a nossa sociedade é que, durante o processo de destruição das redes de terror, sejam assentadas as bases sociais, econômicas, culturais e institucionais necessárias para evitar que elas se reproduzam.

O certo é que, em curto e médio prazos, o mundo estará em guerra contra o terrorismo.


Fonte: Alerta Total

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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

Dados Bibliográficos:
"A Doutrina Militar das Redes", Francis Pisani, Le Monde Diplomatique, junho de 2002;
"A Guerra das Redes", Manuel Castells  

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