Por Alberto Dines - Gazeta do Povo
Se já era espantosa a capacidade do presidente da suprema
corte de ocupar o centro das atenções, o anúncio na última quinta-feira da sua
aposentadoria imediata reforçou substancialmente o seu poder e a sua magia.
O mistério em torno dos reais motivos que o levaram a
interromper uma fulgurante carreira, as versões logo divulgadas – inclusive
supostas ameaças de morte – tudo contribui para alimentar a magistral perícia
desse magistrado para surpreender e empolgar.
A opção pela renúncia é, em si, uma formidável alavanca para
produzir admirações. Num ambiente marcado pela ambição desmedida, cobiça
exorbitante e sofreguidão pelo poder, o simples gesto de abdicar e abrir mão
contrasta vivamente com a legião de mãos sorrateiras, prontas para apoderar-se
de tudo.
Barbosa conhece a dinâmica do sebastianismo, o magnetismo
exercido pelos encobertos, o fascínio dos sumidos. Escolheu o ostracismo como
proteção e reforço. Espontaneamente, encaminha-se ao banco dos reservas num
momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular. Numa paisagem
marcada pelo desgaste das lideranças e a evaporação das ideias-força, Barbosa
prefere recolher-se para lustrar o capital acumulado.
O horizonte sombrio sugere incertezas, trepidações, fissuras
e até rupturas. Não apenas aqui ou no nosso entorno, mas também nos
laboratórios do Hemisfério Norte e nos acervos do Velho Mundo. Os indícios
fornecidos no último domingo pelo pleito europeu se avolumam e ganham relevância
na medida em que a galeria de lideranças – independentemente das colorações
partidárias – converte-se em mostruário de nulidades e insignificâncias. As
exceções vão por conta de Angela Merkel (interessante mix de pragmatismo,
moderação e racionalidade) e Vladimir Putin (com apetite, treino e instinto
para audácias). O restante do time de chefes de governo é deplorável: David
Cameron, François Hollande e Mariano Rajoy são medíocres, canhestros, o
recém-chegado Matteo Renzi ainda não rodou o suficiente para mostrar atributos.
O quase ex-presidente do STF sabe que o nível dos
competidores dá dimensão aos torneios, por isso deve aguardar desafios mais
qualificados. Na arena do STF seria compelido a desgastar-se com embates
menores. Prefere preservar-se. E, periodicamente, fazer intervenções
surpreendentes. Tem calibre, saber e senso de oportunidade para cultivar
esperanças e expectativas.
Joaquim Barbosa
entrou em cena por vontade alheia, o presidente Lula queria um negro na corte
suprema. Em apenas 11 anos, o ilustre desconhecido tornou-se o mais visível e
respeitado chefe do Judiciário de todos os tempos. Diz o que pensa, faz o que
lhe dita a consciência e o dever cívico e, como se não bastasse, consegue
irradiar sua imagem e mensagens para grande parte da população, sem dispor de
qualquer máquina partidária, midiática ou empresarial.
É um fenômeno.
Fonte: A Verdade Sufocada
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