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quinta-feira, 29 de maio de 2014

O terror comunista (I)

Por Carlos I. S. Azambuja

“O conhecimento do que foi o terror comunista pode ajudar muitas pessoas, sobretudo as mais jovens, a entenderem a importância da verdadeira liberdade, sem coletivismos e falácias socialistas, impedindo a repetição de tragédias semelhantes”.

Muito já se escreveu sobre o terror comunista, mas nunca é demais detalhar como esse terror foi implantado por Stalin, com um relato baseado não apenas em memórias e diários inéditos de personagens importantes, e entrevistas com os sobreviventes e os descendentes dos poderosos da era stalinista, mas também, e sobretudo, beneficiado pela liberação – no governo de Boris Yeltsin, que deu fim à União Soviética - de documentos, cartas, bilhetes, anotações nas margens de documentos e de livros, minutas de reuniões, agendas e dos papéis que passavam todos os dias pela escrivaninha de Stalin, em muitos dos quais ele deixava a sua marca de aprovação, reprovação ou escárnio. Assim, foi possível mostrar tanto a intimidade do poder, que permanecia envolta em brumas e mistério, como sua face mais brutal.

O primeiro dos grandes processos espetaculares do terror comunista teve início em 19 de agosto de 1936 no Salão de Outubro, no segundo andar da Casa dos Sindicatos, em Moscou. Os 350 espectadores eram funcionários do NKVD com roupas comuns, jornalistas estrangeiros e diplomatas. No centro, sobre um tablado, os três juizes, liderados por Vassili Ulrikh, sentaram-se em cadeiras semelhantes a tronos, cobertas com pano vermelho. A verdadeira estrela desse espetáculo teatral, o procurador Andrei Vichinski, com uma interpretação de ira espumante e pedantismo articulado.

Os acusados, 16 sujeitos rotos, guardados por soldados do NKVD com baionetas caladas, sentaram-se à direita. Atrás deles uma porta que dava para um espaço comparável a uma sala de espera das celebridades em um estúdio de televisão. Ali, com sanduíches e refrescos, estava Guenrikh Grigorievitch Iagoda (Comissário do Povo de 1934 a1936), que poderia conferenciar com Vichinski e os acusados durante o julgamento.

Dizia-se que Stalin a tudo assistia desde uma galeria escondida, com janelas escuras, nos fundos do salão.

Os acusados foram indiciados por uma quantidade fantástica de crimes tramada pela conspiração obscura liderada por Trotski, Zinoviev e Kamenev (o “Centro Trotskista-Zinovievista Unido”)que conseguira matar Kirov, mas falhara várias vezes ao tentar matar Stalin. Durante seis dias eles confessaram esses crimes com uma docilidade que espantou os espectadores ocidentais.

A linguagem desses processos era tão obscura quanto hieróglifos e só podia ser entendida dentro do universo fechado bolchevique de conspirações do mal contra o bem, em que “terrorismo” tinha o significado de “quaisquer dúvidas sobre as políticas ou o caráter de Stalin”. Todos os seus adversários políticos eram tachados de “terroristas”. Mais de dois “terroristas” era uma “conspiração” e a reunião de “terroristas” de facções diferentes criava um “Centro Unificado” de espantoso alcance global, revelador da paranóia bolchevique, formada em décadas de vida na clandestinidade.

Enquanto os 16 réus esmagados diziam suas falas, o procurador Vichisnky combinava com brilhantismo o embuste indignado de um pregador com as maldições diabólicas de um feiticeiro. Uma testemunha ocidental achou-o parecido com um corretor da Bolsa, acostumado a almoçar no Simpson’s e jogar golfe em Sunningdale. De uma família polonesa nobre e rica de Odessa, Vichinsky fora companheiro de cela de Stalin, com quem dividia os cestos recebidos da família, investimento que pode ter salvado sua vida.

Era desagradável com seus subordinados, mas servil com seus superiores. Seus subordinados o consideravam uma “figura sinistra”. Alerta, vigoroso, vaidoso e inteligente, impressionava os ocidentais tanto quanto os assustava com seus maneirismos forenses. Orgulhava-se muito de sua notoriedade: apresentado à princesa Margaret, em Londres, em 1947, sussurrou aos diplomatas que fazia as apresentações: “Por favor, acrescente meu antigo título de procurador nos processos de Moscou”.

As acusações deixaram sérias dúvidas entre muitos dos jornalistas, exacerbadas pelas asneiras cômicas do NKVD: a corte ouviu como Sedov, filho de Trotsky, ordenou os assassinatos em uma reunião no hotel Bristol, na Dinamarca, mas descobriu-se que esse hotel fora demolido em 1917...

Consta que Stalin teria gritado: “Para que diabos vocês precisam de hotel? Deveria ter dito estação ferroviária. A estação está sempre lá”.

Esse espetáculo teve um elenco maior do que as pessoas que estavam no palco, porque outras pessoas foram cuidadosamente implicadas, abrindo a perspectiva de outros famosos “terroristas” aparecerem em julgamentos posteriores. Os réus implicaram comandantes militares e outros, como Bukharin, Rikov e Tomski, e Wichisnky anunciou que iria instaurar processos contra esses nomes famosos.

Em 22 de agosto, apenas três depois de iniciado esse processo, Stalin recebeu o seguinte telegrama de Lazar Kaganóvitch, um dos poderosos do círculo de Stalin: “Esta manhã Tomski se suicidou com um tiro. Deixou uma carta para você em que tenta provar sua inocência (...). Não temos dúvidas de que Tomski, sabendo que agora não é mais possível esconder seu lugar no bando Zinoviev-trostkista, decidiu dissimular com o suicídio”.

Os porta-vozes de Stalin criaram uma abominação pública contra os “terroristas”. Nikita Kruschev (que em fevereiro de 1956, no XX Congresso do PCUS, iria denunciar os crimes de Stalin), partidário raivoso dos processos e dos fuzilamentos, chegou uma noite ao Comitê Central e encontrou Kaganovitch e Sergo (apelido de Grigori Konstantinovitch Ordjonikidze) induzindo o poeta Demian Bedny a produzir um poema curto e aterrorizante para o Pravda. Esse poema, publicado no dia seguinte, bradava: “Esmagar as criaturas repugnantes! Os cães raivosos devem ser fuzilados!”

No tribunal, Andrei Vichinsky encerrou a acusação: “Esses cães raivosos do capitalismo tentaram rasgar de membro a membro o melhor de nossa terra soviética, o camarada Kirov. Exijo que esses cães raivosos sejam fuzilados. Todos eles!”. Os cães fizeram então seus apelos patéticos e confissões. Mesmo mais de 80 anos depois, são trágicos de ler. Kamenev terminou sua confissão, mas depois se ergueu de novo para apelar por seus filhos, aos quais não tinha outro meio de se dirigir: “Qualquer que seja a minha sentença, considero-a de antemão justa. Não olhem para trás! Vão em frente! Sigam Stalin!”.

Os juizes se retiraram para decidir sobre seu veredicto já decidido, retornando para sentenciar todos à morte, diante do que um réu gritou: “Viva a causa de Marx, Engels, Lênin e Stalin!”

De volta à prisão, os “terroristas” apavorados apelaram por clemência, lembrando a promessa de Stalin de poupá-los. Enquanto Zinoviev e Kamenev aguardavam em suas celas, Stalin recebeu em sua ensolarada casa de campo um telegrama de Kaganovitch, Sergo e Iejov (*), informando-o de que o apelo dos acusados fora recebido e que “o Politburo propôs rejeitar os pedidos e executar o veredicto hoje à noite”. Stalin não respondeu, talvez cônscio de que o fuzilamento de dois camaradas mais próximos de Lenin marcava um passo gigantesco no sentido de sua próxima aposta colossal: um intenso reino de terror contra o próprio partido e contra os chefes do Exército, uma carnificina que sacrificaria até seus amigos e familiares.

O texto acima é um resumo das páginas 223 a 227 do livro “Stalin, a Corte do Czar Vermelho”, de Simon Sebag Montefiore, editora Companhia das Letras, 2003.


Fonte: Alerta Total

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Carlos I.S. Azambuja é Historiador.

(*) Nkolaï Ivanovitch Iejov, chefe do NKVD de 25 de setembro de 1936 até 24 de novembro de 1938, um dos principais executores das purgas decididas por Stalin. Fuzilado por ordem de Stalin e Lavrenti Beria – que o sucedeu na chefia do NKVD – em 2 de fevereiro de 1940.

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