Editorial do Estadão, intitulado "Populismo
corrosivo":
Dois dias depois de uma pesquisa mostrar sua queda nas
intenções de voto e a redução de sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff
anunciou em cadeia de rádio e de TV um aumento de 10% nos valores do Bolsa
Família e uma correção de 4,5% da Tabela do Imposto de Renda. Além disso,
prometeu manter a política de valorização do salário mínimo e acusou a oposição
de defender o arrocho salarial. Horas antes desse pronunciamento, o Tesouro e o
Banco Central (BC) haviam divulgado os últimos números das contas fiscais e
confirmado as más condições das finanças públicas. A presidente parece ter
ignorado essas notícias, assim como ignorou as condições de compra da Refinaria
de Pasadena pela Petrobrás, em 2006, quando presidia o Conselho de Administração
da empresa. Ou talvez nem tenha percebido a conexão entre seu pacote de
bondades e a gestão do dinheiro público.
O sentido eleitoral - ou eleitoreiro - das medidas
anunciadas pela presidente ficou evidente tanto para brasileiros quanto para
observadores estrangeiros. O jornal britânico Financial Times classificou como
populista o aumento de 10% dos benefícios do programa Bolsa Família e vinculou
a decisão imediatamente à campanha da presidente pela reeleição. A elevação de
10%, lembrou o autor do texto, é bem superior à inflação acumulada em 12 meses.
Não se trata, portanto, de mera correção.
Mas o ajuste de 4,5% na Tabela do Imposto de Renda, como
sabe qualquer brasileiro, é insuficiente para compensar a inflação. A alta de
preços ao consumidor acumulada em 12 meses tem ficado em torno de 6%. Mas o
anúncio na véspera do feriado de 1.º de Maio e a referência à vantagem para os
contribuintes assalariados têm também um claro objetivo eleitoral, até porque
esse tipo de ajuste é normalmente divulgado mais perto do fim do ano.
Seria muito mais fácil levar a sério a fala da presidente se
ela tivesse tido o cuidado de explicar como as novas medidas se enquadrarão na
política fiscal. O aumento do Bolsa Família pode ser muito bom para milhões de
pessoas. A correção da tabela do imposto, embora insuficiente, representará um
pequeno alívio para o contribuinte. Mas essas iniciativas, assim como a
valorização do salário mínimo, resultarão em novas pressões sobre as contas
públicas, já em estado precário. Pouco mais de metade - 51% - do superávit
primário do governo central no primeiro trimestre foi obtida com dividendos
extraordinários e com receitas de concessões. Os dividendos contabilizados (R$
5,89 bilhões) foram 667,6% maiores que os registrados entre janeiro e março de
2013 (R$ 767,4 milhões). A manobra para tornar menos feio o resultado fiscal é
evidente.
O superávit primário - dinheiro para pagar juros da dívida -
acumulado em três meses correspondeu a apenas 44% da meta fixada para o
quadrimestre encerrado em abril. Essa meta só terá sido alcançada se o
resultado de um único mês tiver sido suficiente para cobrir mais de metade do
valor programado para quatro meses. Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, insiste em reafirmar a promessa de um superávit primário, neste ano,
equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) - número programado para todo
o setor público.
Cada vez mais a presidente Dilma Rousseff parece afastar-se
das limitações reais e incontornáveis da administração pública, para se
concentrar estritamente nos objetivos eleitorais. Essa preocupação se acentuou
nitidamente com a piora da avaliação de seu governo, a redução de seu prestígio
pessoal e a campanha crescente, nos partidos aliados e até no PT, a favor do
retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa campanha pode resultar
em nada, mas claramente incomoda e pressiona a presidente.
Sua reação - aumentar os gastos para mobilizar
apoio popular - pode ter sentido em prazo muito curto como manobra eleitoral.
Mas a insistência nesse tipo de política, já mantida há muito tempo, produz,
entre outras consequências, mais inflação e, portanto, mais corrosão dos
benefícios transferidos aos mais pobres e dos salários recebidos pelos
trabalhadores. Será mais um legado maldito para quem ocupar o Palácio do
Planalto a partir de janeiro.
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