Por Jornal do Brasil
Após a 'euforia' da competição, milhares de brasileiros
perderão seus empregos temporários e muitos dos que foram criados, contando com
um possível aumento do fluxo de turistas por exemplo, podem não se mostrarem
mais tão necessários, repetindo casos como o do fim da Gama Filho e o
fechamento da Bhering. Brenke e Wagner, estudando a Copa do Mundo na Alemanha
(2006), constataram que o desemprego após a realização do evento tende a
crescer.
A fábrica de doces Behring, em Santo Cristo, na capital
fluminense, empregava mais de mil operários em uma área de 20 mil metros
quadrados. O bairro mostrou-se incapaz de dar vazão à enorme logística da
fábrica, que se mudou para Minas Gerais. Após seu fechamento, foi
inteligentemente ocupada por artistas. O prédio da OI, depois de seu abandono,
no entanto, protagonizou abusos e violência do governo estadual e municipal. A
Universidade Gama Filho, por sua vez, além de deixar seus professores
desempregados e ainda sem resposta do poder público, está abandonado e o
comércio que tinha ao seu redor quase extinto.
Segundo a comerciante Lucia Mota, que tem uma copiadora
próxima ao prédio, a grande maioria dos lojistas tiveram que fechar seus
estabelecimentos e ela, conta, perdeu em torno de 90% do faturamento - só permanece
no local, alega, porque o imóvel é dela e porque conta com ajuda de demandas
solicitadas pela internet. "Do comércio antigo, só sobrou eu e um
botequim. Tinha um monte de lojas e acabou tudo, morreu, ficou um
deserto", comentou.
Quando a Copa foi anunciada oficialmente, no pacote das
promessas estava a criação de empregos. O maior beneficiado seria o Turismo,
dizia previsão da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
(CNC). Entre abril e junho, o Mundial deveria criar 47,9 mil postos de trabalho
nos 12 estados-sede do evento - a maioria das vagas temporária.
“Pouquíssima gente deve ser absorvida depois da Copa, porque
o setor de Turismo não está indo tão bem neste ano. É natural que depois da
Copa, haja um enxugamento dessas contratações, porque são trabalhos temporários
mesmo”, disse o economista da CNC, Fabio Bentes, na ocasião do lançamento das
projeções.
O setor de alimentação responderia pela maior parte da
geração de postos de trabalho. Cerca de 16,1 mil vagas, ou 33,5% do total,
deveriam ser criadas por bares e restaurantes. Os transportes de passageiros
abririam 14 mil vagas (29,2% do total), enquanto hotéis, pousadas e similares
responderiam por 12,3 mil novos postos de trabalho (25,7%). Outros setores
gerariam menos vagas, como os serviços culturais e recreativos (3,8 mil) e
agências de viagens (1,7 mil).
Nota Técnica do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese), "Copa do Mundo 2014: algumas
considerações sobre a realização do evento no Brasil" destaca que, como
observado em outros países, os empregos gerados com as Copas são
predominantemente temporários. No caso brasileiro, os empregos gerados serão,
na maioria, em micro e pequenas empresas.
"Com os investimentos e eventos da Copa, haverá aumento
dos empregos temporários e incremento nos postos de trabalho permanentes, que
pode gerar um aumento da procura por ocupação, significando expansão da
população economicamente ativa. Num segundo momento (pós-Copa), haverá o fim
dos empregos temporários gerados pela construção das obras e pelos eventos e a
manutenção dos postos permanentes criados com a construção e manutenção dos
estádios, arenas, hotéis, pousadas e outras instalações", diz o estudo.
Brenke e Wagner, estudando a Copa do Mundo na Alemanha
(2006), constataram
que desemprego após a realização do evento tende a crescer
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Mas até as vagas permanentes que foram criadas no Turismo
correm risco. Elas teriam sido criadas com vistas a um suposto aumento do fluxo
de turistas no país, que seria impulsionado pela projeção brasileira nos canais
de comunicação do mundo inteiro, durante o evento. O país vem estampando
manchetes na imprensa no mundo inteiro, mas o efeito talvez não seja aquele que
era esperado no início dos preparativos.
As autoridades inglesas, por exemplo, estariam “histéricas”
com a qualidade da segurança que será oferecida aos turistas, dirigentes e
jogadores do país durante a Copa, conforme contou o chefe de segurança da
Federação Inglesa (FA) ao jornal Daily Mail. Tony Conniford afirmou que figuras
importantes da Inglaterra estão com muito temor, principalmente, após os
relatos de violência vindos do Rio de Janeiro.
Os jornais internacionais La Nación (Argentina) e El País
Espanha) publicaram matérias em abril sobre a intensa violência no Brasil, mas
especificamente no Rio de Janeiro. O La Nación destacou o assassinato do jovem
Douglas na favela Pavão-Pavãozinho, supostamente pelas mãos da polícia. A
reportagem lembra que este tipo de episódio se multiplica há meses, o que
estaria fazendo os brasileiros se perguntarem se o governo conseguirá garantir
a segurança dos mais de 600 mil visitantes esperados na Copa.
Na reportagem "Crônica de uma pacificação falida",
do El País, o assassinato de Douglas também é o foco, apontando os policiais
como os principais suspeitos. Segundo fontes locais, a milícia já estaria
infiltrada nas formações da UPP local, o que seria o principal motivo da
deterioração da convivência entre a tropa e a população.
'El País' destacou caso do dançarino Douglas
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Outra matéria do El País informa que a Alemanha divulgou um novo relatório sobre a segurança no Brasil, oferecendo uma imagem desoladora. Segundo o jornal, a constatação foi de que o país é uma nação onde as leis não são respeitadas e onde o turista corre o risco de ser vítima de ladrões, sequestradores ou simplesmente de se envolver em confrontos entre a polícia e grupos criminosos. O Ministério de Assuntos exteriores teria aconselhado que os turistas alemães não usem roupas chamativas e joias quando forem passear pelas ruas, que evitem levar grandes quantidades em dinheiro e escondam artigos eletrônicos e que não reajam a um possível assalto.
Como reforça o chefe do Departamento de Turismo e
coordenador do Observatório de Turismo da Universidade Federal Fluminense
(UFF), João Evangelista, o legado da Copa para o Turismo brasileiro vai depender
muito do que vai acontecer durante o evento, como as manifestações e os casos
de violência, principalmente policial, que vem ganhando manchetes no mundo
inteiro.
Além da questão do impacto da projeção negativa do país
mundo inteiro, questões burocráticas ainda têm atrapalhado a geração de novas
vagas no Turismo. A Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA)
receia que parte das contratações de trabalhadores temporários que ainda estão
previstas para Copa - cerca de 30 mil vagas no setor de alimentação fora do lar
- sejam ameaçadas pelo aumento dos tributos relacionados a cervejas,
refrigerantes, isotônicos e águas.
“A elevação da tributação prejudicará as margens de lucro
dos estabelecimentos, que já estão comprimidas pelos altos aluguéis, exorbitantes
taxas de intermediação financeira de cartões de crédito e tickets alimentação e
energia elétrica, que está cara. Por isso, inevitavelmente, se persistir a
elevação da tributação, os custos terão que ser repassados ao consumidor”,
analisa o presidente da FBHA, Alexandre Sampaio.
A África do Sul, país igualmente em desenvolvimento como o
Brasil, saiu de um índice de desemprego de 25% para 28% após receber o Mundial
de futebol. O sul africano Eddie Cottle, autor do livro “Copa do Mundo da
África do Sul: um legado para quem?”, acompanhou o megaevento e coordenou a
campanha por trabalho decente. Após pesquisar o antes, durante e pós-Copa,
garantiu em entrevista à agência Pública que as perspectivas de crescimento do
país, aumento do número de empregos e no número de turistas, nunca se
concretizou. De acordo com a agência de reportagem e jornalismo investigativo,
ele acredita para o Brasil a coisa pode ser ainda pior. “Olhando para o que
está acontecendo no Brasil, o que se pode esperar é um aumento pequeno dos
níveis de emprego a curto prazo, salários baixos, e a maioria dos fundos
públicos sendo desviados para os lucros das grandes empresas”.
O site de empregos Trabalhando.com realizou uma pesquisa com
cerca de 400 profissionais para entender o que eles esperam que aconteça com a
empregabilidade após o Mundial de futebol. Para 69% deles, a taxa de desemprego
não diminuirá após a Copa, enquanto 31% acreditam que sim, o número de empregos
deve aumentar.
De acordo com Marcelo Weishaupt Proni, vice-diretor do
Instituto de Economia da Unicamp, a Copa não deve garantir nenhuma melhora no
índice de desemprego, já que a geração de novas vagas não chegou nem perto do
prometido anteriormente.
"No caso do Brasil, embora alguns estudos tivessem
projetado a criação de muitos empregos, não só na construção mas em vários
outros setores, de forma direta e indireta, a minha percepção é que o efeito em
termos de emprego é muito pequeno, eu não acredito que a Copa seja responsável
pela redução da taxa de desemprego. A literatura internacional mostra que
depois que se faz uma avaliação dos megaeventos, as expectativas, as projeções
são geralmente muito otimistas, mas o resultado fica muito aquém", diz
Proni, que acredita que de qualquer forma os trabalhadores temporários devem
conseguir "algum outro trabalho precário" após serem afastados de
suas funções.
O desemprego no Brasil deverá continuar acima da média
mundial pelo menos até 2016, segundo previsões da Organização Mundial do
Trabalho (OIT). Ainda segundo a Nota Técnica do Dieese, a Copa do Mundo de
2006, na Alemanha, foi analisada pelos autores Brenke e Wagner, que constataram
que as expectativas dos organizadores e do governo em relação à criação de
empregos estavam superestimadas: os postos criados se caracterizaram como
temporários e os custos de infraestrutura e promoção da Copa foram muito
elevados. Concluíram que o desemprego após a realização do evento tende a
crescer.
Antenor Barros Leal,
presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), acredita que
o fim de empregos, assim como o fechamento do comércio com o fim da
Universidade Gama Filho, é "um aspecto que a gente não pode fugir".
Durante grandes eventos, as pessoas podem passar a faturar mais e vem a
euforia, que passa. "Quem não quer ter risco não pode se aventurar como
empresário", acredita.
"É assim mesmo, às vezes se tem uma oportunidade
positiva, às vezes negativa. Agora mesmo, na Copa do Mundo, vamos ter isso.
Várias pessoas na atividade turística, de repente, vão perder mesmo seus empregos",
conclui.
Além do desemprego, retrocesso na área trabalhista
Entre 2011 e abril de 2012, de acordo com números do Dieese
e do Dossiê Comitês Populares da Copa, o país teria registrado 20 mobilizações,
paralisações e greves nas obras dos 12 estádios das cidades-sedes da Copa, com
pauta de reivindicações que incluía aumento salarial, melhoria nas condições de
trabalho (principalmente em relação às condições de segurança, salubridade e
alimentação), aumento do pagamento para horas extras, fim do acúmulo de tarefas
e de jornadas de trabalho prolongadas, assim como concessão de benefícios –
plano de saúde, auxílio alimentação, garantia de transporte, entre outros.
Jorge Luiz Souto Maior, jurista e professor de Direito na
USP, explica que a Copa trouxe a intensificação de um problema que a gente já
tinha, a pressão no trabalho para cumprimento de metas, como a conclusão das
obras nos estádios, o que acarretou também em um processo de intensificado de
terceirização, sobretudo na construção civil. Souto Maior alerta que a
terceirização é um retrocesso, devido à precarização e aumento do risco no
ambiente de trabalho.
Ele lembra que o número de acidentes com morte nas obras dos
estádios, que chegou a nove na última semana, é muito preocupante, sem falar
nos outros acidentes do trabalho que "sequer temos notícias", mas que
se imagina que não sejam poucos. "É um problema grave, do ponto de vista
da segurança e da precarização do trabalho."
Souto Maior destaca ainda os problemas decorrentes do
Trabalho Voluntário durante o evento, uma forma de trabalho precário, sem
direitos nem previsão normativa. No Brasil, o trabalho voluntário é permitido
apenas para entidades sem fins lucrativos, e a Fifa, pelo contrário, registra
lucros a cada ano, o "que agride a Constituição brasileira".
Outra questão é o trabalho de gandula que será realizado
durante a competição: por jovens a partir de 12 anos, quando a nossa
Constituição só autoriza o trabalho a maiores de 16, "um grande
retrocesso". "Alguém pode dizer 'é legal, pois eles vão estar perto
dos seus ídolos, participando de um evento', que é 'bonito'. Só que o bonito e
o maravilhoso não são argumentos que podem superar a Constituição. Isso abre
brecha para que ela deixe de valer em vários outros aspectos".
Para Souto Maior, em um momento histórico como o que estamos
vivendo, a defesa da Constituição tem que estar acima de qualquer coisa,
principalmente em um evento esportivo, cujos beneficiários não são o povo
brasileiro.
"Em alguns aspectos, a Copa intensifica alguns
problemas que temos no mercado de trabalho, e em outros retrocede. A gente
estava construindo algum avanço contra a terceirização e isso se perdeu a tal
ponto do Superintendente Regional do Trabalho de São Paulo dizer que, se não
fosse a Copa, a obra do Itaquerão teria sido interdita. Como assim? Isso é um
grande retrocesso. Eles confessam abertamente que estão fazendo vistas grossas,
para que se concluam as obras", lamenta Souto Maior.
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