Uma auditoria realizada pela própria Petrobras na refinaria
de Pasadena, no Texas, descobriu um saque de US$ 10 milhões feito apenas com
uma autorização verbal, sem qualquer registro em documento, como mostra
relatório confidencial obtido pelo GLOBO. A auditoria estava programada e
analisou o controle, a gestão e a comercialização do estoque de óleo da
Pasadena Refining System Inc. (PRSI).
O pente-fino da Gerência de Auditoria de Abastecimento da
Petrobras revelou a existência de um saque de US$ 10 milhões em 5 de fevereiro
de 2010, sem documento que o autorizasse. Naquele ano, as sócias Petrobras
América e Astra Oil, companhia belga, travavam uma disputa judicial sobre a
aquisição, pela empresa brasileira, dos 50% remanescentes das ações. A joint
venture original foi firmada entre as empresas em 2006.
A compra de Pasadena, que resultou em um gasto total de US$
1,2 bilhão, e a afirmação da presidente Dilma Rousseff de que se baseou num
parecer “falho e incompleto” para aprovar a aquisição, desencadearam uma crise
no governo e uma movimentação pela instalação de CPI no Congresso. Dilma era
presidente do Conselho de Administração da Petrobras na ocasião da compra.
O relatório de auditoria sobre o estoque de óleo é o
R-1111/2010, elaborado pela Gerência de Auditoria de Abastecimento, com data de
29 de março de 2011. O episódio do saque está descrito no item 3: “Falta de
autorização documental para saque em corretora”. Os US$ 10 milhões foram
retirados da conta da refinaria numa corretora, a MF Global, que entrou com
pedido de falência em 2011.
“A falta de documentação prejudica o controle e
acompanhamento de transações”, cita o relatório. “A autorização verbal,
conforme informação da unidade, não encontra amparo em norma interna nem nas
boas práticas de controle interno”, conclui.
Os auditores recomendam, então, que a gestão da refinaria de
Pasadena passe a formalizar e arquivar a documentação referente aos saques
feitos em contas mantidas em corretoras. Conforme a resposta da PRSI, incluída
no relatório, ficou acordado com a área financeira que não haveria mais
“nenhuma autorização de pagamento ou movimentação financeira de forma verbal”.
Para a movimentação de dinheiro da conta da refinaria, passaria a ser
necessária uma formalização por meio de documentos de suporte ou comunicação
por escrito.
O documento confidencial da Petrobras não detalha quem fez o
saque nem o destino e a finalidade do dinheiro. O GLOBO questionou a Petrobras
sobre os responsáveis pelo saque e sobre a recorrência da prática de movimentação
de dinheiro na refinaria de Pasadena apenas com base numa ordem verbal. Por
meio da assessoria de imprensa, a estatal disse que aguarda a conclusão dos
trabalhos da comissão interna instaurada neste ano para investigar as condições
da aquisição da refinaria. Enquanto isso, a empresa não faz nenhum comentário
sobre as irregularidades detectadas.
A compra dos estoques de óleo de Pasadena alimenta suspeitas
sobre as condições do negócio, que passou a ser investigado pela Polícia
Federal, pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas da União, pela
Controladoria Geral da União e pela própria Petrobras. Somente os estoques de
óleo custaram US$ 343 milhões à estatal brasileira, levando-se em conta os
valores desembolsados nas duas etapas da compra. Toda a refinaria saiu por US$
1,2 bilhão. A Astra adquiriu o empreendimento em janeiro de 2005 por R$ 42,5
milhões, valor contestado pela Petrobras.
A auditoria se concentrou na gestão dos produtos. Entre
janeiro e agosto de 2010, conforme o levantamento, o faturamento chegou a US$
2,2 bilhões, equivalentes a 4,2 bilhões de litros de óleo. A investigação
analisou a movimentação de petróleo, gasolina e óleo diesel. “O grande número
de processos e rotinas manuais, e a utilização de sistemas não integrados, são
pontos críticos de controle quanto à qualidade das informações relativas aos
estoques. As divergências nessas informações têm ocasionado uma série de
lançamentos de estornos que podem prejudicar a gestão da atividade na
companhia”, registra o relatório.
Segundo os auditores, práticas internacionais estabelecem
que os tanques de armazenamento de produtos devem ser arqueados (medidos, para
que se saiba a quantidade de produto armazenada) em intervalos de dez a 15
anos, ou após reparos. Alguns tanques da refinaria de Pasadena tiveram a última
arqueação nas décadas de 1970 e 1980. Um deles foi arqueado em abril de 1970,
40 anos antes da realização da auditoria. “A situação pode causar prejuízo à
informação de estoques e incertezas nas medições para faturamento, havendo
risco de perda financeira para a companhia”, cita o documento.
Outro problema detectado é a existência de operações
simultâneas de recebimento e envio de produtos, supostamente em razão da falta
de espaço para armazenamento. A prática dificulta medir o volume movimentado
pela refinaria e impossibilita apurar “de forma consistente” eventuais perdas
ou sobras de óleo. A lista de problemas no controle do estoque da refinaria é
ainda mais ampla: não há integração entre os sistemas de faturamento, estoque e
registro das contas a receber. Assim, não é possível emitir relatórios
automaticamente.
Os auditores detectaram uma “divergência” de US$ 2 milhões
no estoque referente a maio de 2010, em razão de um lançamento incorreto.
Conforme o relatório, 23 mil barris de petróleo oriundos da empresa
armazenadora foram considerados como estoque em trânsito. Após a transferência,
o volume deixou de ser considerado como em trânsito, mas sem registro da
entrada no sistema. “A quantidade foi lançada incorretamente como sobra de
produção e impactou a valoração do custo de produção do mês”, diz o relatório.
(O Globo)
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