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domingo, 20 de abril de 2014

É assédio moral intolerável o que o Itamaraty está fazendo com o diplomata que ajudou senador perseguido a fugir da Bolívia

O diplomata Eduardo Saboia foi afastado de suas funções por tempo indeterminado por ter conduzido a operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano perseguido Roger Pinto Molina. Encostado em função desimportante, há 8 meses aguarda decisão sobre se vai ou não ser punido (Alan Marques / Folhapress)
O diplomata Eduardo Saboia foi afastado de suas funções por tempo indeterminado por ter conduzido a operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano perseguido Roger Pinto Molina. Encostado em função desimportante, há 8 meses aguarda decisão sobre se vai ou não ser punido (Alan Marques / Folhapress)
É um escândalo e uma vergonha e um caso clássico de assédio moral o que o Itamaraty, com seus punhos e renda e tudo, está fazendo com o diplomata Eduardo Saboia, ex-encarregado de negócios da Embaixada brasileira em La Paz, na Bolívia. Foi ele quem propiciou  a fuga para o exílio no Brasil do ex-senador Roger Molina, adversário do governo bolivariano de Evo Morales que sobrevivia, em condições precárias, a 455 dias de abrigo na sede diplomática do país.

Molina denunciou o envolvimento de personalidades do governo de Morales com o tráfico de drogas e se dizia ameaçado de morte, por isso buscou asilo na embaixada.

O governo de Morales, porém, recusou-se sistematicamente a conceder salvo-conduto ao político para que ele pudesse deixar fisicamente a embaixada rumo a um aeroporto e embarcar para o Brasil. Passivo e “compreensivo” com o bolivariano Morales — Lula passou a mão na cabeça do colega boliviano quando ele mandou tropas do Exército ocupar instalações da Petrobras, que em seguida desapropriou –, o governo da presidente Dilma não exerceu a menor pressão para que a Bolívia cedesse.

Indignado ao ver o instituto de asilo transformada em degradação — o ex-senador vivia como se numa prisão, sem sequer direito a banho de sol, morando num cubículo e sofrendo de depressão –, Saboia, então embaixador interino em La Paz, resolveu trazê-lo por conta própria ao Brasil.

Sim, cometeu, em nome dos direitos humanos e do que considerava ser a dignidade do país que representava, uma indisciplina, sujeita, portanto, a punições.

Ocorre, porém, que o Itamaraty está há oito meses empurrando o caso com a barriga, virando de cabeça para baixo a vida de um diplomata de carreira, com 23 anos de serviços prestados que lhe valeram uma condecoração presidencial. Oito meses para uma comissão de investigação decidir o que fazer com Saboia, agora prorrogados por mais 30 dias.

Para o governo, ele parece ser um pária, a ser perseguido de forma cruel — deixando seu trabalho e sua vida em suspenso.

Para os brasileiros de bem, provavelmente ele é um herói.

Leiam a reportagem excelente sobre o caso feita por Marcela Mattos, do site de VEJA em Brasília:

OITO MESES DEPOIS DE COMANDAR FUGA DE MOLINA, DIPLOMATA AMARGA O OSTRACISMO

Protagonista de uma história com roteiro cinematográfico, com direito a fuga e ameaças, o diplomata Eduardo Saboia vive em um limbo desde que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina.

O ex-parlamentar de oposição era perseguido pelo governo de Evo Morales e ficou asilado, com o aval do governo brasileiro, por 455 dias na Embaixada do Brasil na Bolívia.

Servidor de carreira, Saboia é ministro-conselheiro do Ministério das Relações Exteriores. Após a epopeia com a fuga de Molina para o Brasil, ele se tornou alvo de processo disciplinar que se arrasta há oito meses na comissão de sindicância do Itamaraty – e não tem prazo para ser concluído.

Na última quarta-feira, o colegiado voltou a empurrar a decisão se ele deve ou não ser punido pelo episódio: prorrogou os trabalhos por mais 30 dias, como vem ocorrendo sucessivamente desde outubro. Enquanto aguarda uma deliberação sobre o caso, Saboia foi deixado na geladeira e lotado em uma função administrativa. Constrangido, ele pediu licença do cargo no dia 8.

“Ele fica sentado em uma cadeira sem fazer nada”

Ex-encarregado de Negócios na Embaixada brasileira, Saboia tem 46 anos, metade deles vividos no Itamaraty. A atuação do diplomata era considerada impecável pelo Ministério das Relações Exteriores e lhe rendeu, inclusive, uma condecoração pelo ex-presidente Lula com a medalha da Ordem do Rio Branco.

No entanto, a carreira foi interrompida após, diante da inoperância do governo brasileiro, ajudar o senador a escapar das ameaças da tropa comandada por Morales. Molina denunciou o envolvimento de autoridades bolivianas com o tráfico de drogas.

Logo ao chegar ao Brasil, no final de agosto, Saboia foi afastado de suas funções e tornou-se objeto de investigações de uma sindicância interna do órgão. Um relatório final, que deve ser elaborado por uma comissão, decidirá se o diplomata deve ou não ser punido. As medidas disciplinares aplicáveis vão desde uma advertência à demissão do cargo.

Com o futuro incerto, o diplomata foi realocado no cargo secundário de assessor no departamento de Assuntos Financeiros e de Serviços do Itamaraty – uma função administrativa, sem status de chefia nem gratificações que tinha como ministro. “Isso é um assédio moral do ponto de vista de não conceder qualquer atividade na altura do que ele possa exercer. Hoje ele está sentado em uma cadeira sem fazer nada”, afirma a defesa de Saboia, o advogado Ophir Cavalcante.

Saboia, por outro lado, evita tecer comentários sobre o posto. Mas reclama da demora em ter o caso solucionado: “Hoje eu faço o trabalho que me passam. Lá dentro eu virei aquele cara que tem uma sindicância e que, por isso, é constantemente julgado. Eu já estou sendo punido”, disse, em entrevista ao site de VEJA concedida em uma confeitaria de Brasília.

Antes de conversar com a reportagem, Saboia tomou um chá com o senador Molina. A defesa do boliviano o orienta a não dar entrevistas.

Ao longo de conversa de uma hora, o diplomata explicou que decidiu pedir licença de suas funções por três meses, que pode ser prorrogada pelo mesmo período – benefício concedido por tempo de serviço a servidores públicos -, e planeja usar o tempo para avaliar “outras possibilidades” para a carreira.

Na última segunda-feira, Saboia esteve no evento que selou a chapa de Eduardo Campos e Marina Silva para a disputa eleitoral deste ano. Ele nega, porém, ter pretensões políticas ou ser filiado a algum partido, mas não descarta participar da campanha: “Eu quero contar a minha história nessas eleições”.

A fuga de Molina

Alegando ser perseguido politicamente, o senador boliviano Molina conseguiu asilo na embaixada brasileira, onde permaneceu por 15 meses em condições degradantes: viva em um pequeno quarto improvisado, sem direito a banho de sol e com permissão apenas para receber visitas esporádicas de familiares e do advogado. O governo brasileiro sabia da situação de Molina, mas não tomou providências ao longo de todo o período.

Depois de mais de um ano nessa condição, o senador entrou em depressão e teve a saúde debilitada. Em agosto de 2013, Saboia, que à época ocupava o cargo de embaixador interino, decidiu resolver o problema com as próprias mãos: em um carro oficial escoltado por fuzileiros navais brasileiros, ele e Molina viajaram por 22 horas entre La Paz e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, e depois seguiram para Brasília em um avião obtido pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), [presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado]. A ação não foi previamente informada ao governo brasileiro.

A presidente Dilma Rousseff classificou o episódio como uma “quebra de hierarquia” e disse que a embaixada brasileira na Bolívia é “extremamente confortável”. Do outro lado, Saboia alegou que, por “questões humanitárias”, não poderia deixar uma pessoa viver daquela forma em uma dependência do Brasil. O diplomata ainda alegou que informou o Itamaraty somente após o episódio por motivos de segurança. Como consequência, o então ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, foi exonerado.

“O governo brasileiro deixou que o instituto do asilo se transformasse em uma situação de violação da dignidade de uma pessoa que estava sob os nossos cuidados. Isso é muito sério e é algo que deveria ser investigado: quem é o responsável ter deixado isso chegar até esse ponto?”, questiona Saboia. “Eu não tive outra opção além daquela para preservar a vida de uma pessoa e a imagem do meu país.”

Assim como Saboia, o senador boliviano ainda não teve a situação definida. Molina espera aval do governo Dilma para morar legalmente no Brasil enquanto está abrigado, de favor, na casa do senador Sérgio Petecão (PSD-AC), em Brasília – hoje ele pode permanecer no país graças ao refúgio provisório concedido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).

Questionada pela reportagem sobre o motivo da demora para a conclusão dos trabalhos da sindicância e o cargo incompatível exercido por Saboia, a assessoria de imprensa do Itamaraty afirmou que não iria comentar o caso.

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