Tudo indica que o coronel Paulo Malhães, aquele que
confessou ter torturado pessoas durante o regime militar, tenha morrido de
ataque cardíaco. Falarei a respeito daqui a pouco. Mas tenho algumas
considerações prévias. Obsessão emburrece. Sempre. Quando veio a público a
notícia da morte do coronel, escrevi algo curtinho porque processei todas as
coordenadas, e a hipótese óbvia me pareceu fantasiosa. Escrevi então:
Voltei ao assunto nesta manhã e, movido pela pena de um
certo sarcasmo lógico, afirmei que mais sentido faria que remanescentes da
extrema-esquerda o tivessem matado, não da extrema-direita. Razão óbvia:
aqueles estão organizados — alguns de seus próceres ou descendentes ideológicos
estão no poder, afinal. Já o mais jovem membro do um eventual esquadrão de
torturadores vingadores deve andar pelos 80 anos — o coronel tinha 76. Mas,
como está lá evidente, escrevi que não acreditava nem numa coisa nem noutra. Só
em crime comum.
É claro que tive de aguentar a malta de cretinos, afirmando
que eu estaria tentando esconder alguma coisa. É mesmo? Por quê? Em nome de
quê? Em defesa do regime que me perseguiu? Vão se catar!
Há muito tempo já, determinados temas não podem mais ser
submetidos a um tratamento apenas jornalístico. Perca as esperanças de haver
alguma serenidade e objetividade na cobertura da morte do dançarino Douglas
Rafael da Silva, por exemplo. A hipótese — plausível, mas hipótese ainda — de
que tenha sido morto por policiais serve para encobrir fatos óbvios, que
compõem a equação: o narcotráfico preparou um happening durante o seu enterro,
pedindo o fim das UPPs no morro; ele próprio, há três meses, expressou, em
termos muito característicos, o seu lamento pela morte do traficante “Cachorrão”;
o confronto com a polícia no dia do enterro contou com a ativa participação de
black blocs, dos “militantes de sempre” e de agentes do tráfico.
Se foi mesmo a polícia, isso muda as responsabilidades ou as
culpas? Não! Cadeia para os assassinos, uniformizados ou não, depois da devida
apuração. Mas são fatos. Por que são omitidos dos telespectadores, dos
leitores, dos ouvintes, dos internautas? Eles não têm o direito de saber e
formar seu próprio juízo? Está em curso um processo de seleção de notícias para
não provocar a fúria dos milicianos das redes sociais — aqueles asquerosos,
muitos a soldo, que ficam patrulhando os meios de comunicação.
O mesmo se deu no caso de Paulo Malhães. Nem mesmo nos
ocupamos de perguntar quem, afinal, havia atestado a morte por sufocamento.
Alguém o encontrou de bruços, parece, com o rosto posto num travesseiro, e
concluiu: “Foi asfixiado”. Agora, o guia de sepultamento traz como provável
causa da morte um ataque cardíaco: edema pulmonar, isquemia de miocárdio e
miocardiopatia hipertrófica.
Vejam bem: um guia de sepultamento não vale por uma
autópsia. Mas um médico — a menos que fizesse parte, também, da quadrilha de
assassinos, né? — não atestaria doenças degenerativas como causa da morte se
fosse evidente a hipótese de assassinato por asfixia, o que deixa marcas. Mas
fazer o quê?
Vivemos dias em que a mãe do bailarino assassinado ganha o
status de perita criminal, o mesmo acontecendo com familiares de possíveis
vítimas do coronel Paulo Malhães. Vivemos dias em que se buscam menos os fatos
do que reconstruir uma narrativa do passado que esteja adequada aos valores
influentes. Ainda voltarei a esse tema: Maria Rita Kehl, da Comissão da
Verdade, por exemplo, parece não se conformar com o fato de que os mortos da
ditadura sejam menos de 500. Para que a “narrativa ideológica” faça sentido, é
preciso falar em milhares. Como não há fatos que justifiquem a sua tese
ideológica, ela decidiu agora investir na hipótese de que sete mil índios
tenham sido massacrados pela ditadura. Com base em quê? Ora, em relatos de
alguns deles, escolhidos a dedo — jamais atestados por ninguém. A julgar pela
fala de alguns deles, fica parecendo que os militares brasileiros jogaram
napalm na selva. Mas deixo isso para outro post.
NÃO! NÃO ESTOU DESCARTANDO QUE O CORONEL POSSA TER SIDO
ASSASSINADO. NÃO SOU LEGISTA. MAS O DOUTOR QUE ASSINA O GUIA DE SEPULTAMENTO É.
Sim, nas redes sociais já começou a conversa mole de que também isso está sendo
falsificado.
Se, amanhã, algum lunático afirmar que os militares, durante
a ditadura, mandaram prender uma legião de anjos militantes, vinda do céu, para
organizar no Brasil a luta de libertação do povo, com base do Minimanual da
Guerrilha, de Carlos Marighella, muita gente vai acreditar. Afinal de contas,
não há idiotas que sustentam até hoje que o próprio Marighella era um anjo? Ou,
então, o outro Carlos, o Lamarca? Até de “poetas” eles já foram chamados.
Malhães, porque torturava pessoas, era um bandido. E, para mim, essa designação
lhe cai bem. Quanto aos outros dois, seja esmagando crânios de pessoas já
rendidas, seja explodindo pessoas, viraram santos.
Mentir em pequenas ou em grandes proporções e
criar marolas ideológicas são tarefas próprias da militância política. O
jornalismo não tem o direito de fazer nem uma coisa nem outra. Ou passa a ser,
também, militância política.
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