Por Jorge Pontes (*)
A sociedade brasileira vem assistindo nos últimos anos,
talvez ainda sem entender bem suas reais dimensões, o surgimento e o
fortalecimento de mais uma praga – quase – endêmica do nosso país; digo “quase”
pois alguns países africanos também a experimentam.
Trata-se do que podemos denominar de “Crime
Institucionalizado”.Tal fenômeno, que adquiriu contornos marcantes, que o
diferenciam conceitualmente do crime organizado convencional, merece urgente
atenção não apenas das autoridades policiais, do ministério público e do
judiciário, mas, sobretudo, da imprensa e da sociedade como um todo, pois seu
fortalecimento e sedimentação tem a capacidade de minar de forma devastadora as
possibilidades de desenvolvimento nacional.
Vale dizer, grosso modo, que o “Crime Institucionalizado”
estaria para o crime organizado assim como a motocicleta está para o
velocípede.
Ao contrário do crime organizado, agora neste contexto
rebaixado à delinquência juvenil, o “Crime Institucionalizado” não lança mão de
atividades escancaradamente ilegais, como o tráfico de drogas, de armas, a
prostituição, o jogo ilegal e etc.
Este novo e poderoso flagelo utiliza-se apenas da plataforma
oficial, dos governos das três esferas, do estamento público, dos ministérios
da república, da política partidária e das regras eleitorais para prospectar e
desviar fortunas do erário público. Todo o seu faturamento tem origem nos
contratos de serviços e obras, nas concorrências públicas, nos repasses para
programas de governo, principalmente para ongs e oscips.
Trata-se, desta feita, de atividade infinitamente mais
lucrativa e segura do que qualquer negócio ilegal convencional colocado em
prática por organizações tipo máfia.
Em suma, enquanto o crime organizado viceja aproveitando-se
da letargia e da omissão de alguns homens públicos, o “Crime
Institucionalizado” é fruto da própria ação estruturada e pensada de um grupo
de homens e mulheres que comandam determinado setor, empresa ou unidade do
poder público.
Outra diferença marcante é que, enquanto o crime organizado
coopta, ou, quando muito, infiltra um agente aqui e acolá, na polícia ou numa
determinada repartição, o “Crime Institucionalizado” indica e nomeia, com a
devida publicação em diários oficiais, dezenas de autoridades que servem aos
seus propósitos tanto na empreitada criminosa propriamente dita, como na tomada
de medidas garantidoras da impunidade do grupo e da salvaguarda do butim, nos
três poderes da república.
Mais um nuance importante é que o “Crime
Institucionalizado”, com seus exércitos de nomeados em cargos e funções
estratégicas, com vista a garantir alguns aspectos vitais da atividade, isto é,
para institucionalizar a própria moenda criminosa, estaria, desgraçadamente,
lançando mão da elaboração e promulgação de normas administrativas, e até de
leis, que facilitem sua consecução. Eles têm a faca, o queijo e, é claro, a
boca faminta, ao seu inteiro dispor.
Na última década o “Crime Institucionalizado” vitaminou-se
tremendamente, aproveitando-se dos seguidos recordes de arrecadação tributária.
Com o ingresso de dezenas de milhões de pessoas na classe média e o consequente
aumento do consumo, os cofres públicos abarrotaram-se de dinheiro. São
exatamente essas divisas, oriundas do alquebrado contribuinte brasileiro, que
vem alimentando o “Crime Institucionalizado”.
Uma de suas consequências práticas mais nefastas é a
existência de centenas de concorrências públicas viciadas pelas fraudes do
“Crime Institucionalizado” – há quem diga, inclusive, ser difícil encontrar,
nos dias de hoje, uma única licitação que não seja “arrumada”.
Contudo, ainda mais desoladora é a possibilidade da
existência de grandes e vultosos projetos sendo aprovados com o único e
exclusivo intento de desviar verbas públicas. É de fato o pior dos mundos, onde
a corrupção estaria no nascedouro das iniciativas. Não seria mais o caso do
estádio de futebol superfaturado, mas o caso do estádio de futebol que nem
deveria ter sido construído, isto é, a corrupção de raiz. Não é, como dizem por
aí, “o malfeito”, mas o que nem deveria ter sido feito.
Esta situação tem saída, por mais difícil e desfavorável que
possa parecer. E a solução passa necessariamente pela total e completa
blindagem política de todos os órgãos que compõem a persecução criminal, sem
prejuízos de outras medidas de proteção às instituições do estado brasileiro,
mormente as agências controladoras, nas três esferas políticas.
O quadro aponta para a necessidade da edificação de uma estrutura
policial, altamente preparada e fortalecida, que faça frente a tais dragões, e
com capacidade de investigar aqueles que nomearam seus próprios chefes
Por: Brasil Acima de Tudo
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* Jorge Pontes é delegado federal e foi diretor da Interpol do
Brasil
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