Por João Baptista Herkenhoff*
Dentre os muitos atos de arbítrio praticados pela Revolução
de 1964, um dos mais revoltantes foi a pena de silêncio imposta a Dom Hélder
Câmara. Dom Hélder não podia fazer palestra em lugar algum. Quem se atravesse a
furar o bloqueio podia ser punido. O nome do Bispo não podia ser mencionado nos
jornais, no rádio ou na televisão.
Não obstante a proibição, tive a honra de homenagear Dom
Hélder num artigo publicado no semanário “A Ordem”, de São José do Calçado,
cidade e comarca onde exercia, na época, a função de Juiz de Direito. O texto
contestatório foi estampado na edição de 4 de agosto de 1969, quando estava em
plena vigência o Ato Institucional Número 5. Escolhi para o artigo um título
ameno (Reflexões após um período de férias), título que, de alguma forma me
protegia e protegia também o Prefeito, responsável pelo bom comportamento do
jornal, que era editado pelo Município.
Os censores (que como todo censor não prima pela
inteligência e tem preguiça de ler um texto até o fim) não poderiam imaginar
que o articulista, após o gozo de merecidas férias, estivesse refletindo sobre
a brutalidade de calar o Profeta Hélder Câmara. Lembre-se que, nesses tristes
tempos de Brasil, os magistrados tinham sido privados da garantia de
vitaliciedade. Um simples decreto mandava o juiz vestir pijama. Até ministros
do Supremo Tribunal Federal foram então compulsoriamente aposentados.
Mencionar estes fatos é importante, principalmente para
conhecimento dos jovens, a fim de que compreendam o valor da Democracia e da
Liberdade e estejam vigilantes. Atrás de teses nobres e justas (defesa da
família, luta contra a corrupção) escondem-se muitas vezes propósitos espúrios.
É preciso cuidado para separar o joio do trigo e surpreender o lobo camuflado
na pele de cordeiro.
Não obstante todos os problemas e dificuldades que o país
está enfrentando, ninguém pode hoje ser punido pelo que pensa, fala ou escreve.
Não devemos rememorar 64 com ódio ou sentimento de vingança.
O que cabe é celebrar a reconquista do estado de direito, que foi fruto da luta
do povo unido reclamando “Diretas já”, anistia ampla, geral e irrestrita,
convocação de uma Assembleia Constituinte livre e soberana.
Há muito ainda a ser feito. Temos de acabar com a fome.
Todos os seres humanos têm direito ao repouso noturno numa casa, ainda que
modesta, mas de cujas janelas possam ser contempladas as estrelas. Lugar de
crianças e adolescentes é numa escola de excelente qualidade, não é numa
prisão, por mais românticos que sejam os vocábulos concebidos para significar
cadeia para menores.
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*João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado
e Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Foi um dos
fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese
e Vitória. CV
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520 - E-mail:
jbherkenhoff@uol.com.br
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