Por Hamilton Bonat
Fins de março. Ano, 1964. Sete horas da manhã. À entrada do
colégio, um monitor aguardava para informar aos alunos que as aulas estavam
suspensas. Todos deveriam aguardar em casa até serem avisados sobre o reinício
das atividades escolares. Melhor notícia impossível! Adolescentes não gostam de
madrugar todo dia para enfrentar maçantes aulas, professores exigentes e
cobranças nas provas que definiriam, ao final do ano, quem fora aprovado e quem
teria que explicar-se aos pais.
A situação devia ser grave, pois até os professores e
monitores haviam sido mobilizados. O que eu e meus colegas guardamos na
memória, é que tivemos quase trinta dias de inesperadas férias, tempo
disponível para jogar nossas peladas e vagar de bicicleta pelas ruas seguras de
uma Curitiba com pouca gente e raros automóveis.
Nossa moleza acabaria na segunda metade de abril. Foi
preciso recuperar o tempo perdido, com aulas inclusive aos sábados. Nada se
falou à respeito da situação política. O importante era preparar-nos
intelectualmente para o futuro. Em quartel, e colégio militar não deixa de
sê-lo, até hoje, política e religião não se discute. Podem gerar polêmicas
acaloradas, levam à discórdia. Além do mais, como gato escaldado, as Forças
Armadas sabiam quantas vidas lhes custara a politização dos quartéis. Só para
citar um exemplo, em 1935, centenas de militares haviam sido assassinados por
outros militares.
Foi bem esse o ambiente que eu posteriormente vivenciaria
por mais de 41 anos de serviço. No quartel, só deveria existir uma religião, um
partido e uma ideologia, que atendia pelo nome de Brasil. Sua defesa e, por que
não, o seu progresso, representavam um ideal. As Forças Armadas, por serem
instituições nacionais, tinham que ser integradas por nacionalistas. Até hoje
nos criticam por isso, mas em todo o mundo é assim. Estaria errado se não
fosse.
Críticas também sempre houve quanto à presença fardada na
política. Historicamente, desde a Independência, ela influenciou e, ao mesmo
tempo, foi influenciada pelos políticos. As tentativas de cortar essa relação
podem ser sintetizadas pelas mudanças de endereço da escola encarregada de
formar os oficiais do exército. Assim, em 1904, a Escola Militar saiu da Praia
Vermelha, no Rio de Janeiro, Capital da República, para o então longínquo bairro
do Realengo. A experiência não daria resultado, pois o movimento tenentista,
iniciado na década de 1920, seria conduzido por ex-cadetes do Realengo. Diga-se
de passagem, ele mostrou-se fundamental para a evolução da república e da
democracia.
Mais tarde, os próprios chefes militares, sob aplausos
acalorados de políticos interesseiros, decidiram afastar ainda mais os cadetes
do centro do poder. Assim, em 1944, foi inaugurada a Escola Militar de Resende,
atual Academia Militar das Agulhas Negras. Seu currículo voltou-se,
essencialmente, para a formação de profissionais das armas. A política, que se
deixasse para os políticos. Foi lá, numa das melhores academias militares do
mundo, que se moldaram as novas gerações de oficiais, inclusive a minha. Mas,
ao que parece, quanto mais essas gerações passaram a dedicar-se somente à
defesa da Nação e menos à política partidária, mais foram sendo menosprezadas
pelos políticos (dos quais se afastaram) e, sistematicamente, criticadas pela
imprensa, que parece não entender-lhes o papel.
Confesso que não pretendia escrever sobre os 50 anos do 31
de março. Muita gente, bem ou mal intencionada, tem-no feito. Só decidi ao
deparar-me com o texto de um brilhante articulista, onde se lê: “Março de 1964
marca o início de uma escalada que culminou em 1º de abril e instalou uma
‘sangrenta’ ditadura militar…” Ora, se houve por aqui cerca de trezentas
lamentáveis mortes, cabe questionar: ao taxá-la de “sangrenta”, a que país ele
estaria se referindo? À França da guilhotina, à União Soviética de Stalin e
seus gulags, à China da revolução cultural de Mao, à Cuba do paredón de Fidel,
ao Chile ou, quem sabe, à Argentina?
Essas, e muitas outras, são histórias que, por conta do 1º
de Abril, ficam escondidas e que as dezenas (sustentadas pelo pobre
contribuinte) de comissões da verdade fazem questão de não mostrar. Não resta
dúvida de que, até o fim deste mês, haverá um bombardeio de críticas. Muito
mais se contará. Mais ainda se esconderá.
Se os jovens adolescentes da década de 1960 pudessem fazer
apenas um pedido à classe política, creio que seria no sentido de que, passado
o 31 de março, ela assegurasse aos jovens de hoje a mesma paz que tiveram para
crescer. Afinal, não seria “sangrento” um país, como o nosso, onde ocorrem mais
de 50 mil mortes violentas por ano?
À imprensa, o apelo pessoal do meu deformado nacionalismo
seria no sentido de que, cessado o bombardeio, ela aprofundasse mais as
informações sobre as ONGs estrangeiras, instrumentos do neocolonialismo a que
estamos sendo submetidos e que visa, em última instância, impedir nosso
desenvolvimento.
Fonte: A Verdade Sufocada
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