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Sob gritos de "guerreiro do povo brasileiro", corpo de Campos é enterrado

Por Ivan Richard – Agência Brasil

O Corpo de Eduardo Campos segue em carro aberto do Corpo de Bombeiros para o Cemitério de Santo Amaro, onde será sepultado (Fernando Frazão/Agência Brasil)
O Corpo de Eduardo Campos segue em carro aberto do 
Corpo de Bombeiros para o Cemitério de Santo Amaro, 
onde será sepultado (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Mais de cem horas após o acidente aéreo que resultou na morte de Eduardo Campos e de mais seis pessoas, o corpo do ex-governador de Pernambuco foi enterrado há pouco ao lado do avô, Miguel Arraes, no Cemitério de Santo Amaro, em uma sepultura simples, sem luxo, rodeada apenas de flores e placas de mármore com identificação. Fogos de artifício e gritos de "Eduardo, guerreiro do povo brasileiro" marcaram o encerramento da cerimônia.

Nas ruas, nos bancos, nas calçadas em cima dos jazigos – alguns seculares de mármore –, cada metro do Cemitério Santo Amaro foi disputado pelos admiradores do ex-governador na chegada do caixão com os restos mortais do político. As vias próximas ao cemitério estavam cheias de ônibus com caravanas de várias cidades do estado. Segundo a Polícia Militar, 150 mil pessoas passaram pelo velório de Campos, na sede do governo de Pernambuco.

"Viemos prestar nossa solidariedade e agradecer tudo de bom que ele fez pela gente", disse Mikaela Kalina, de 26 anos, que saiu da cidade de Ribeirão, a aproximadamente 100 quilômetros do Recife. Com ela, mais 300 pessoas foram ao Recife na caravana de oito ônibus.

Próximo ao caixão, apenas a família e amigos. Houve chuva de flores. O último adeus ao pai, irmão, filho, tio, neto, sobrinho foi observado atentamente pela multidão, que gritava pedindo justiça e que as causas do acidente sejam esclarecidas. A esposa, Renata Campos, quatro dos cinco filhos do casal, a mãe de Campos, Ana Arraes, que estiveram ao lado do caixão desde a madrugada quando foi trazido de São Paulo, e o irmão, Antônio Campos estavam entre os mais emocionados.

O auxiliar de serviços gerais José Fernando de Souza, que há mais de 40 anos trabalha no cemitério, disse que nunca tinha presenciado movimentação tão intensa em um sepultamento.

Desde a última quarta-feira, dia do acidente, o cemitério passou por reparos para abrigar o corpo do ex-governador. Ao longo do percurso feito pelo cortejo fúnebre, centenas de coroas de flores enfeitaram as calçadas e ajudavam a confortar a dor da família pela perda inesperada.

Com o sepultamento do maior nome do partido, o PSB agora buscará unidade em torno do nome de Marina Silva para prosseguir a disputa pela Presidência da República.

Convite ao conflito

Editorial Gazeta do Povo

Decisão do STJ em solicitação de intervenção federal agrava a insegurança jurídica e acirra os ânimos no campo

No dia 6 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou o acórdão de uma decisão tomada no início de julho, em que a corte negou um pedido de intervenção federal no Paraná, em um caso que envolve a reintegração de posse de uma área invadida anos atrás pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). É uma decisão que, analisada com cuidado, abre perigosos precedentes.

Em 2008, o Sítio Garcia, propriedade de 58,50 hectares integrante da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, foi invadido pelo MST pela segunda vez em dois anos. Os proprietários pediram na Justiça a reintegração de posse, concedida ainda em 2008, por meio de liminar, e confirmada em maio de 2011 por sentença de mérito – mas que até hoje não foi cumprida. Em 2012, os proprietários foram ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) solicitando intervenção federal no estado, baseados no artigo 34 da Constituição Federal, que prevê intervenção em caso de descumprimento de decisão judicial. O TJ-PR reconheceu a omissão do poder público e remeteu o caso ao STJ.

No STJ, o relator do processo, ministro Gilson Dipp, pediu o indeferimento do pedido de intervenção. Em seu voto, argumentou que “parece manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana; de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social”, ou seja, só restaria aos proprietários resignar-se a perder a área e receber indenização do governo federal, tivessem ou não interesse em negociar o sítio. O voto de Dipp foi seguido por todos os ministros presentes à sessão de 1.º de julho.

O acórdão, publicado na semana passada, afirma que uma eventual reintegração de posse seria um “ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular”, pois já haveria quase 200 sem-terra na propriedade; além disso, afirma que, “pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado [em promover a reintegração de posse] não é ilícita”.

A argumentação do ministro Dipp, assim, parte de um pressuposto verdadeiro – a necessidade de uma verdadeira reforma agrária, e a situação indigna de muitos trabalhadores rurais que não têm acesso à terra – para chegar a uma conclusão perigosa, pois a decisão permite que os sem-terra se beneficiem de um ato ilícito cometido por eles mesmos, o que viola um princípio consagrado do direito. É possível perceber o caráter utilitarista do raciocínio que guia o ministro: tendo levado em consideração única e exclusivamente o conflito entre o prejuízo de quase 200 sem-terra (com a reintegração de posse) e o prejuízo de uns poucos proprietários (com a perda do sítio), Dipp e seus pares do STJ optaram por este em vez daquele, independentemente do caráter dos atos cometidos pelos invasores. Não é difícil perceber que essa linha de pensamento é praticamente um convite a novos conflitos no campo, abrindo as portas à invasão indiscriminada de propriedades, com a permanência dos invasores sendo garantida sob o argumento do possível dano social causado por uma reintegração de posse.

Aqui é preciso ressaltar que não se trata de defender o direito à propriedade como absoluto, pois de fato não o é. A propriedade precisa ter uma função social, e quando ela não é cumprida justifica-se uma ação do Estado para que essa terra seja redistribuída a quem dela necessita. Este processo está bem regulamentado no Brasil. No entanto, não é esse o caso do Sítio Garcia. Durante a análise do pedido de intervenção, o STJ pediu informações ao Incra, que respondeu dizendo que se tratava de uma propriedade produtiva, que não se encaixava nos critérios para a reforma agrária. Mesmo assim, o STJ permitiu, com sua decisão, que os invasores lá permanecessem.


Ora, os princípios democráticos e as garantias constitucionais existem justamente para prevenir arbitrariedades como a que estamos agora presenciando no caso do Sítio Garcia, e para assegurar que não seja o mero utilitarismo a guiar as decisões de Estado. Por mais que a reforma agrária seja uma necessidade, ela não pode ser feita à base da lenta erosão desses princípios e garantias, sob risco de agravar os conflitos no campo. Eles já não são de fácil resolução; e o STJ, com sua decisão, só contribui para agravar a insegurança jurídica e acirrar os ânimos entre os sem-terra e os proprietários rurais.