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AVIÃO DA MALAYSIA PODE TER SOFRIDO ‘ATAQUE HOMOFÓBICO’
Esta é a explicação de JEAN WYLLYS para queda de avião

Por Myrcia Hessen

Deputado Jean Wyllys (Psol-RJ). Foto: Divulgação
Deputado Jean Wyllys (Psol-RJ). Foto: Divulgação
O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) causou alvoroço nas redes sociais ao levantar a hipótese de que o Boeing-777, da Malaysia Airlines, foi, na verdade, vítima de um “ataque homofóbico”. O avião caiu na Ucrânia, na região de Donetsk, após ser atingido por um míssil. O voo saiu de Amsterdã, na Holanda, e seguia para Kuala Lumpur. Com 298 passageiros, a principal explicação para o ataque, até o momento, seria o conflito entre Rússia e Ucrânia, que, segundo Jean contou com a participação direta dos Estados Unidos – agora apontado como possível culpado, juntamente com a Rússia. “Meu olhar sobre o episódio é mais humanitário e menos preocupado com a geopolítica”, declarou o parlamentar sobre o caso.

Segundo ele, “há outro lado nefasto no episódio”, já que do total de passageiros, havia mais de 100 pessoas que seguiam para a 20ª Conferência Mundial de Aids, na Austrália. “173 eram da Holanda, país referência no financiamento de projetos e no debate avançado sobre HIV e AIDS, dentre eles, Joep Lange, um cientista reconhecido mundialmente por ter dedicado mais de 30 anos da sua vida à pesquisa sobre o HIV e a Aids”, justificou. “Caso essas informações se confirmem, haverá um impacto dessas mortes nas pesquisas e nas políticas públicas futuras de prevenção e combate à AIDS – e isto é muito grave e desalentador!”, completou.

Jean garante não querer estimular mais uma “teoria da conspiração”, mas insiste em questionar: “o fato de haver especialistas em HIV/AIDS à bordo do avião terá sido uma mera coincidência ou pode apontar para uma outra explicação sobre o abatimento da aeronave numa região da fronteira entre dois países conservadores?”. Mesmo deixando claro se tratar de uma pergunta, o post já teve quase mil compartilhamentos e mais de 200 comentários, a maioria horrorizada com a posição do deputado. “Jean Wyllys, onde eu pego o alvará para falar bosta a vontade?”, escreveu o usuário João Júnior.



Por que governos de esquerda fazem políticas “neo”-liberais?

Por Alberto Mansueti

Na Venezuela, Maduro e os chavistas discutem se devem aplicá-las ou não e na Argentina, Cristina sempre teve suas dúvidas. Porém, são políticas que desde há anos os governos de Ortega na Nicarágua, Santos na Colômbia, Correa no Equador, Humala no Peru, Morales na Bolívia, Tabaré e “Pepe” no Uruguai, e igualmente Lula e Dilma no Brasil, por exemplo, as aplicam.

“Neo” liberais significa mais ou menos inspiradas no Consenso de Washington (CdeW) dos anos 90, uma lista de “recomendações de política”, que na ocasião os burocratas do FMI e do Banco Mundial viram como “viáveis e sustentáveis”, quer dizer: aceitáveis pelos principais atores.

São 10, e se resumem assim: 1. Disciplina fiscal e orçamento em equilíbrio, 2. priorizar o gasto público: em medicina básica, educação primária, infra-estrutura, 3. impostos: baixar taxas para subir a arrecadação, 4. tipos de juros: livres, 5. taxa de câmbio: “competitiva”, 6. substituir barreiras quantitativas às importações por taxas alfandegárias e depois reduzi-las pouco a pouco até 10% ou 20% na média, 7. alentar todo o investimento estrangeiro direto, 
8. privatizar empresas estatais, 9. eliminar barreiras legais à entrada e saída nos mercados e 10. reforçar direitos de propriedade. Até aqui diz o CdeW.

As principais razões dos governos socialistas para fazer estas políticas são quatro:
(I) A primeira é que o marxismo econômico eles já fizeram: aplicaram-no até onde se podia, entre os anos 1930 e 1970 mais ou menos, em quase todos os países do mundo.

Marxismo econômico é aquele “Programa Mínimo” do “Manifesto Econômico” de 1848, redigido por Marx e Engels. Constava de dez pontos que convém lembrar: 1. a “reforma agrária”, 2. o imposto progressivo aos ingressos, 3. o imposto às heranças, 4. a estatização das grandes empresas e companhias estrangeiras, 5. o Banco Central com seu monopólio de emissão, 6. transportes do Estado, 7. empresas de propriedade estatal e indústrias e comércios sob o controle do governo, 8. leis salariais e sindicais, 9. imposto aos lucros extraordinários, 10. educação pública socializada.

Isto é comunismo, embora em “grau mínimo”, segundo Marx e Engels. Deve-se acrescentar a medicina socializada, ponto que eles viram “muito avançado” para um programa “mínimo”. E a questão é que já fizeram tudo isto, há anos, e muitas destas políticas estão vigentes e são vistas como normais, correntes, inclusive parte integral e intocável do sistema “capitalista”.

O “laissez faire” já não existe porque os socialistas o suprimiram há muito tempo e, em troca, impuseram uma ditadura estatal à economia, embora só até certo ponto: o ponto no qual já não podem mais “avançar” sem cair na tragédia do parasita que mata o organismo hospedeiro. Ir além seria exterminar 100% da produção, que quase passa nos anos 70 com o “cepalismo” [1], e por isso retrocederam nos anos 90: privatizaram segundo o CdeW, cedendo nos pontos 4 e 7 do Manifesto. Dois passos atrás, para depois ir três adiante, disse Lenin.

As esquerdas enfrentam o dilema do parasita: têm de comer, então alguém tem de produzir. Assim que ao menos “no momento”, como disse Chávez, os socialistas pactuaram com os mercantilistas, velhos e novos, respeitaram seus privilégios, em troca de seguir produzindo sob as condições ditadas pelos socialistas, que comem dos altos impostos que eles e a classe média pagam. E para isso, o CdeW serve.

(II) Segunda razão: as políticas do CdeW não são muito liberais, são só um remédio para os piores resultados do “cepalismo” dos anos 70, ou seja, o barril sem fundo das empresas estatais e a diluviana impressão de cédulas, cujos efeitos pretendiam “conter” com meios grosseiros: controles de preços, de câmbios e tipos de juros. Até aí. Porém, o CdeW não é incompatível com um “Grande Estado” educador, médico, banco-centralista e regulamentador. Não figura a tripla redução do governo em funções, em poderes e em gastos, como seria se de verdade a lista tivesse sido inspirada no liberalismo clássico.

É um ticket de saída daquele velho estatismo selvagem de Allende, Cámpora, J. J. Torres, Velazco Alvarado e Alan García I (primeiro mandato), e de entrada a um estatismo mais “prolixo”, social-mercantilista: no contexto do “Pacto Social” com os empresários mercantilistas, nacionais ou estrangeiros. Por isso já nos anos 90 estas políticas foram seguidas pelos líderes e governos surgidos dos partidos nacional-populistas e de esquerdas, todos anti-liberais, como o PRI no México, o APRA no Peru, o MNR e o MIR na Bolívia, o Peronismo na Argentina, etc. Porque o CdeW não tem nada de liberalismo! Deve-se chamar “Neo” mercantilismo, ou melhor ainda: “Neo” estatismo.

(III) A terceira razão é estratégica: adotando a esquerda oficialista, o CdeW desde o governo tira as bandeiras da oposição que, de per si já é muito inepta e incapacitada, mas desta maneira fica totalmente desorientada, paralisada e muda, catatônica, sem saber o que fazer, o que pensar nem o que decidir. Assim os presidentes do Foro de São Paulo são re-eleitos sem maior dificuldade.

(IV) Por fim a quarta: o CdeW é 100% compatível com o marxismo cultural, a prioridade nº 1 destas esquerdas de agora. O marxismo cultural é essa enorme tarefa destrutiva, embora já não da economia senão do casamento, da família (aborto, eutanásia, matrimônio homossexual, etc.), da religião, do “meio-ambiente”, da doutrinação na escola, enfim, todo esse “politicamente correto” do “Socialismo do Século XXI”... que é tema para outro artigo.

Tradução: Graça Salgueiro


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Alberto Mansueti é advogado e cientista político – http://albertomansueti.com/.

Nota da tradutora:

[1] Cepalismo refere-se à CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), fundada pela resolução 106 do Conselho Econômico e Social da ONU de 25 de fevereiro de 1948, tendo seu nome alterado em 27 de julho de 1948 pata Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.  A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede é em Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir com o desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações dirigidas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as demais nações do mundo. Posteriormente seu trabalho se ampliou aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social.

As formas de luta pelo poder: a forma pacífica

Por Carlos I. S. Azambuja

Durante a II Guerra Mundial, quando a União Soviética lutava, junto à Inglaterra, EUA e outros países, contra o nazismo, Stalin propôs, em 15 de março de 1943, a dissolução da III Internacional, dissolução que foi materializada em 9 de junho de 1943 através de um comunicado do Comitê Executivo da IC, assinado por Giorgy Dimitrov, então Secretário-Geral .

Dentre os partidos comunistas que aprovaram a dissolução, estavam os da Argentina, Cuba, Colômbia e Chile. No comunicado, Dimitrov assinalava expressamente que “a proposição de dissolver a Internacional Comunista havia sido aprovada unanimemente pelas  seções que tiveram a possibilidade de comunicar suas decisões em tempo”.

Com mais eloqüência que esse parco comunicado do Comitê Executivo da IC, anteriormente, em 28 de maio desse mesmo ano, em uma entrevista à agência de notícias “Reuters”, em Moscou, Stalin assinalou que  “a dissolução da III Internacional fora acertada porque, assim, evidencia a mentira das forças hitleristas, que afirmam que Moscou trata de imiscuir-se na vida de outras nações para bolchevizá-las. Agora, poremos fim a essa calúnia. Essas calúnias afirmam que os partidos comunistas dos diversos países atuam não no interesse de seus povos, e sim sob ordens exteriores. Isso também facilitará as atividades dos patriotas, nos países amantes da liberdade, para unir as forças progressistas de seus respectivos países, sem distinção de partidos e de credos religiosos, em um campo único de libertação nacional, para desenvolver a luta contra o fascismo”.

O ato do Comitê Executivo da III Internacional, inspirado por Stalin, dissolvendo essa organização, objetivou, portanto, dar fim a “uma calúnia”. Todavia, Stalin conservou no território soviético os antigos e futuros estados-maiores de todos os partidos comunistas europeus: romeno, polonês, húngaro, búlgaro, tcheco, alemão, italiano e francês que, quando do término da guerra, faria regressar aos seus países.
                 
Em 5 de outubro de 1947, Stalin criou o Kominform (Departamento de Ligação e Informação dos Partidos Comunistas Europeus).
                 
A doutrina supostamente científica do marxismo-leninismo define a revolução socialista como resultado de um combate simultâneo em várias frentes: política, econômica e ideológica. Todavia, as formas sob as quais se desenvolve esse combate dependem da combinação concreta de fatores internos e externos de cada país.

Entre os fatores internos podem ser citados os níveis de desenvolvimento econômico e cultural do país; o grau de organização e influência do partido comunista local; se ele está ou não na legalidade; a correlação de forças entre as classes; as tradições nacionais; etc. Entre os fatores externos figuram a solidez das ligações do partido comunista nacional com partidos comunistas de outros países; a situação internacional geral; as relações com países vizinhos; etc.

Cada caso particular determinará a originalidade da tática a ser implementada e as formas de luta pelo poder que, por mais variadas que possam ser, podem ser resumidas, num plano muito geral, em duas essenciais: a forma pacífica e a forma não pacífica. Esta pressupõe o emprego da luta armada.

A absolutização tanto de uma como de outra dessas formas de luta não é aceita pela ortodoxia marxista. A prática revolucionária e as condições objetivas e subjetivas é que irão determinar, em cada momento, a forma de luta a ser utilizada. Ambas, no entanto - e isso é importante ter sempre presente -, a pacífica e a não pacífica, são revolucionárias.Qualquer que seja a forma pela qual a revolução socialista venha a se processar, ela implicará sempre na derrubada do regime dominante e, nesse sentido, será sempre um exercício de violência, pois, em última análise, ninguém renuncia ao poder e à propriedade privada de livre e espontânea vontade.

Após fevereiro de 1917, na Rússia, quando foi instalado o governo de Kerensky, Lenin chegou a considerar a possibilidade de uma conquista pacífica do poder, mediante a passagem de todo o poder aos sovietes. Essa perspectiva foi considerada por Lenin, naquele momento, devido à fraqueza e desorganização da burguesia russa. “Infelizmente”, segundo a história da Revolução Bolchevique escrita na União Soviética, “a via pacífica não foi tornada possível, face à reação dos expropriadores, que se recusaram a ser expropriados sem luta”.

Desde então, a existência de um Estado fraco, contraposto à força e organização de um partido comunista que se considera o “estado-maior do proletariado”, passou a ser considerada a condição fundamental para um desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, se é que uma revolução, qualquer que seja, terá condições de desenvolver-se pacificamente.

Posteriormente, por considerar que a modificação da correlação de forças em nível internacional aumentara as possibilidades de um desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, a concepção marxista-leninista dessa via foi sendo desenvolvida nas conferências teóricas internacionais dos partidos comunistas, realizadas em 1957, 1960 e 1969, e, em seguida, nas resoluções políticas dos congressos de vários partidos.

Esse desenvolvimento “pacífico” pode revestir-se de formas diversas. Uma delas é a utilização do Parlamento, obtendo nele uma maioria - não necessariamente numérica, uma vez que para o marxismo-leninismo o conceito de maioria é mais rico e complexo: o de “maioria ativa” -, transformando-o e convertendo-o num instrumento da vontade das “amplas massas”.

Foi isso que aconteceu na Checoslováquia no período de 1945 a 1948, conforme relatado no livro “O Assalto ao Parlamento - A Tomada do Poder pela Constituinte”, escrito por Jan Kosak, deputado comunista na Assembléia Constituinte checoslovaca. Nesse livro, ele relata minuciosamente como o Parlamento de seu país foi levado a desempenhar um papel revolucionário na transição para o comunismo, derrubando um regime parlamentar que funcionava com uma maioria não-comunista baseada em princípios democráticos,“transformando o Parlamento de um órgão a serviço da burguesia em um instrumento criador de medidas democráticas que conduziram à mudança gradual da estrutura social, instrumento direto da revolução socialista”. Isso só foi possível graças à “maioria ativa”.

Além da conquista do Parlamento, os comunistas, na luta pela chamada “conquista pacífica do poder”, propõem outros objetivos de luta: a “democratização” do aparelho do Estado, a participação dos operários na gestão econômica das empresas e a criação de uma opinião pública que limite a possibilidade da classe dirigente opor resistência à aplicação de uma “política favorável à maioria do povo”.

O chamado desenvolvimento pacífico da revolução não é, todavia, um “pic-nic”, uma transformação harmoniosa do capitalismo em socialismo, uma renúncia voluntária das classes dominantes ao poder político. Isso equivale a dizer que essa via, de forma alguma, significa a interrupção da luta de classes ou a diminuição da sua intensidade.

É, basicamente, a combinação de uma “pressão de cúpula”, desenvolvida a partir do Parlamento e outros órgãos da máquina estatal, com a “pressão de base”, levada a efeito pela atividade revolucionária das “amplas massas”. Segundo Lenin escreveu, em 1905, quando da Revolução de Fevereiro, na Rússia, “restringir, como princípio, as ações revolucionárias às pressões de base e renunciar às pressões de cúpula é anarquismo”.

Na hipótese de “o governo estabelecido recorrer à violência contra o povo, a classe operária e as amplas massas serão levadas a atuar também nesse terreno, para ... assegurar a passagem ao socialismo por meios pacíficos”. Se invertermos os termos, o significado será o mesmo: “na hipótese do governo estabelecido recorrer à violência contra a classe operária e as amplas massas, o povo ver-se-á obrigado a atuar também nesse terreno...”

Luiz Carlos Prestes, quando Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro, analisando as causas da derrota das forças democráticas em março de 1964, declarou: “As possibilidades do chamado caminho pacífico (...) foram, em geral, erradamente interpretadas por nós, como se a revolução pudesse ser um processo idílico, sem choques nem conflitos” (“Revista Internacional” nº 6, junho de 1968).

O leninismo, considerado o “marxismo da época do imperialismo”, assinala que a eficácia da luta armada é determinada, em cada caso, pelo grau de maturidade das chamadas “condições objetivas e subjetivas” do país dado. A luta armada poderá ser considerada objetivamente necessária em determinadas condições, o que, em absoluto, significará que essa forma de luta seja a única a ser considerada revolucionária.

É por essa razão que os marxistas-leninistas ortodoxos condenam os “aventureiros de esquerda”, que enfatizam desmedidamente o emprego das armas em quaisquer partes e sejam quais forem as circunstâncias, subestimando a importância da forma de luta “pacífica”.

Segundo Lenin, “desenvolver a democracia até o fim, procurar as formas desse desenvolvimento, pô-las à prova na prática, é uma das tarefas essenciais da luta pela revolução social”.

A Conferência Internacional dos Partidos Comunistas, realizada em 1969, indicou em seu documento final que “na medida em que se desenvolve a unidade de ação contra o monopólio e contra o imperialismo, amadurecem as condições favoráveis à coesão de todas as correntes democráticas numa aliança política capaz de limitar de uma maneira decisiva o papel dos monopólios na vida econômica do país, de colocar um fim ao poder do grande capital e de estabelecer um regime que realize transformações políticas e econômicas radicais, criando, dessa forma, condições mais favoráveis ao prosseguimento da luta pelo socialismo”.

Finalmente, observa-se que nos programas de diversos partidos comunistas dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, o lugar central não cabe à luta imediata pelo socialismo e sim àquelas reivindicações políticas, econômicas e sociais que tornarão factível essa luta. Esses partidos, conscientes das necessidades de determinadas etapas na luta pelo socialismo, definiram como objetivo realista a tomada paulatina do poder político da burguesia, substituindo-o por uma “democracia contínua”, susceptível de satisfazer aquilo que denomina de “aspirações das amplas massas”, sempre dirigidas, é claro, pelo seu partido, o “partido da classe operária, estado-maior e vanguarda do proletariado”: o Partido Comunista. Ou seja, a tomada do Poder à la Gramsci.

Esse é o conteúdo da forma de luta “pacífica” da estratégia para a revolução socialista.


Fonte: Alerta Total


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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

DESEMBARGADOR CONFIRMA LIBERTAÇÃO DE ATIVISTAS PRESOS
Justiça considerou que prisões não foram “devidamente fundamentadas”

Ativista Elisa Quadros, conhecida como Sininho, em audiência na Justiça Militar, no Rio
Sininho era uma das que continuava presa
Rio - Os cinco ativistas que continuam presos no Rio desde sábado, 12 serão soltos. A ordem foi dada na tarde desta sexta-feira, 18 pelo desembargador Siro Darlan. “As prisões não foram devidamente fundamentadas”, disse Darlan ao Estado. Na terça-feira, o desembargador já havia determinado a soltura dos outros 12 manifestantes detidos na operação Firewall, realizada pela Polícia Civil do Rio, com base na suspeita de crime de formação de quadrilha.

As prisões foram repudiadas por entidades como OAB-RJ, Anistia Internacional e Justiça Global. Entre os cinco que continuavam no presídio de Bangu até o início da noite desta sexta-feira estão a ativista Elisa Quadros Pinto Sanzi, a Sininho, e a professora Camila Jourdan, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Ao todo, foram expedidos 26 mandados de prisão temporária pela 27.ª Vara Criminal – nove suspeitos não foram localizados pela polícia. Na decisão que determinou as prisões, o juiz Flávio de Oliveira Nicolau baseou-se em tipificação criada para combater o crime organizado: “Verifica-se, também, que há sérios indícios de que está sendo planejada a realização de atos de extrema violência para os próximos dias, a fim de aproveitar a visibilidade decorrente da cobertura da Copa do Mundo de futebol, sendo necessária a atuação policial para impedir a consumação desse objetivo e também para identificar os demais integrantes da associação”, escreveu o juiz na sexta-feira passada.

A decisão foi criticada pela Associação Juízes para a Democracia. De acordo com a entidade, a “custódia com base em eventos futuros e incertos denota cerceamento da liberdade antecedente a prática de qualquer ilícito, viola os princípios constitucionais de liberdade de expressão e reunião e coloca o poder Judiciário em situação de subalternidade e auxílio à arbitrariedade policial, quando seu papel é o de garantidor de direitos”.

A manifestação de domingo reuniu cerca de 400 pessoas e foi violentamente reprimida pela Polícia Militar. Pelo menos 14 jornalistas que tentavam registrar as agressões a ativistas foram atacados por PMs. O inquérito policial está sob segredo de Justiça e seria remetido nesta sexta ao Ministério Público.

As acusações contra os suspeitos não foram detalhadas pela Polícia Civil. Na manhã desta sexta, a Justiça Global enviou ofícios ao governo federal solicitando providências em relação às prisões de manifestantes ocorridas no dia 12 no Rio. Para a entidade, o inquérito “visa tão só a desmobilização, deslegitimação, intimidação e criminalização de defensores de direitos humanos, representando grave violação por parte do Estado do Rio, principalmente ao tratá-los enquanto associação criminosa”. (Felipe Werneck/Agência Estado)



A destruição da inteligência

Por Olavo de Carvalho

Poucas coisas são tão grotescas quanto a coexistência pacífica, insensível, inconsciente e satisfeita de si, da afetação de inconformismo com a subserviência completa à autoridade de um corpo docente.

Aprender, imitar e introjetar o vocabulário, os tiques e trejeitos mentais e verbais da escola de pensamento dominante na sua faculdade é, para o jovem estudante, um desafio colossal e o cartão de ingresso na comunidade dos seus maiores, os tão admirados professores.

A aquisição dessa linguagem é tão dificultosa, apelando aos recursos mais sutis da memória, da imaginação, da habilidade cênica e da autopersuasão, que seria tolo concebê-la como uma simples conquista intelectual. Ela é, na verdade, um rito de passagem, uma transformação psicológica, a criação de um novo “personagem”, apoiado no qual o estudante se despirá dos últimos resíduos da sentimentalidade doméstica e ingressará no mundo adulto da participação social ativa.

É quase impossível que essa identificação profunda com o personagem aprendido não seja interpretada subjetivamente como uma concordância intelectual, ao ponto de que, no instante mesmo em que repete fielmente o discurso decorado, ou no máximo faz variações em torno dele, o neófito jure estar “pensando com a própria cabeça” e “exercendo o pensamento crítico”.

A imitação é, com certeza, o começo de todo aprendizado, mas ela só funciona porque você imita uma coisa, depois outra, depois uma infinidade delas, e com a soma dos truques imitados compõe no fim a sua própria maneira de sentir, pensar e dizer.

No aprendizado da arte literária isso é mais do que patente. O simples esforço de assimilar auditivamente a maneira, o tom, o ritmo, o estilo de um grande escritor já é uma imitação mental, uma reprodução interior daquilo que você está lendo. A imitação torna-se ainda mais visível quando você decora e declama poemas, discursos, sermões ou capítulos de uma narrativa. Porém nas suas primeiras investidas na arte da escrita é impossível que você não copie, adaptando-os às suas necessidades expressivas, os giros de linguagem que aprendeu em Machado de Assis, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Balzac, Stendhal e não sei mais quantos. Esse exercício, se você é um escritor sério, continua pela vida a fora. Quando conheci Herberto Sales – que Otto Maria Carpeaux julgava o escritor dotado de mais consciência artística já nascido neste país –, ele estava sentado no saguão do Hotel Glória com um volume de Proust e um caderninho onde anotava cada solução expressiva encontrada pelo romancista, para usá-la a seu modo quando precisasse. Já era um homem de setenta e tantos anos, e ainda estava praticando as lições do velho Antoine Albalat.[1] É assim, por acumulação e diversificação dos recursos aprendidos, que se forma, pari passu com a evolução natural da personalidade, o estilo pessoal que singulariza um escritor entre todos. T. S. Eliot ensinava que um escritor só é verdadeiramente grande quando nos seus escritos transparece, como em filigrana, toda a história da arte literária.

Em outros tipos de aprendizado, a imitação é ainda mais decisiva. Nas artes marciais e na ginástica, quantas vezes você não tem de repetir o gesto do seu instrutor até aprender a produzi-lo por si próprio! Na música, quantas performances magistrais o pianista não aprende de cor até produzir a sua própria!

Nas ciências e na tecnologia, o manejo de equipamentos complexos nunca se aprende só em manuais de instrução: o aluno tem de ver e imitar o técnico mais experiente, num processo de assimilação sutil que engloba, em doses consideráveis, a transmissão não-verbal. [2]

Por que seria diferente na filosofia? Compreender uma filosofia não se resume nunca em ler as obras de um filósofo e julgá-las segundo uma reação imediata ou as opiniões de um professor. É impregnar-se de um modo de ver e pensar como se ele fosse o seu próprio, é olhar o mundo com os olhos do filósofo, com ampla simpatia e sem medo de contaminar-se dos seus possíveis erros. Se desde o início você já lê com olhos críticos, buscando erros e limitações, o que você está fazendo é reduzir o filósofo à escala das suas próprias impressões, em vez de ampliar-se até abranger o “universo” dele. Erros e limitações não devem ser buscados, devem surgir naturalmente à medida que você assimila novos e novos autores, novos e novos estilos de pensar, pesando cada um na balança da tradição filosófica e não da sua incultura de principiante. Não seria errado dizer que, entre outros critérios, um professor de filosofia deve ser julgado, sobretudo, pelo número e variedade dos autores, das escolas de pensamento, das vias de conhecimento que abriu em leque para que seus estudantes as percorressem.[3]

Não é preciso mais exemplos. Em todos esses casos, a imitação é o gatilho que põe em movimento o aprendizado, e em todos esses casos ela não se congela em repetição servil porque o aprendiz passa de modelo a modelo, incorporando uma diversidade de percepções e estilos que acabarão espontaneamente se condensando numa fórmula pessoal, irredutível a qualquer dos seus componentes aprendidos.

Mas o que acontece se, em vez disso, o aluno é submetido, por anos a fio, à influência monopolística de um estilo de pensamento dominante, aliás muito limitado no seu escopo e na sua esfera de interesses, e adestrado para desinteressar-se de tudo o mais sob a desculpa de que “não é referência universitária”?

Se durante quatro, cinco ou seis anos você é obrigado a imitar sempre a mesma coisa, e ainda temendo que o fracasso em adaptar-se a ela marque o fim da sua carreira universitária, a imitação deixa de ser um exercício temporário e se torna o seu modo permanente de ser – um “hábito”, no sentido aristotélico.

É como um ator que, forçado a representar sempre um só personagem, não só no palco mas na vida diária, acabasse incapaz de se distinguir dele e de representar qualquer outro personagem, inclusive o seu próprio. Pirandello explorou magistralmente essa situação absurda na peça Henrique IV, onde um milionário louco, imaginando ser o rei, obriga os empregados a comportar-se como funcionários da côrte, até que eles acabam se convencendo de que são mesmo isso.

Toda imitação depende de uma abertura da alma, de uma impregnação empática, de uma suspension of disbelief em que o outro deixa de ser o outro e se torna uma parte de nós mesmos, sentindo com o nosso coração e falando com a nossa voz. Se praticamos isso com muitos modelos diversos, sem medo das contradições e perplexidades, nossa mente se enriquece ao ponto do nihil humanum a me alienum, daquela universalidade de perspectivas que nos liberta do ambiente mental imediato e nos torna juízes melhores de tudo quanto chega ao nosso conhecimento. Não é errado dizer que o julgamento honesto e objetivo depende inteiramente da variedade dos pontos de vista, contraditórios inclusive, que podemos adotar como “nossos” no trato de qualquer questão.

Em contrapartida, o enrijecimento da alma num papel fixo abusa da capacidade de imitação até corrompê-la e extingui-la por completo, bloqueando toda possibilidade de abertura empática a novos personagens, a novos estilos, a novos sentimentos e modos de ver.

Habituado a tomar como referência única o conjunto de livros e autores que compõe o universo mental da esquerda militante, e a olhar com temerosa desconfiança tudo o mais, o estudante não só se fecha num provincianismo que se imagina o centro do mundo, mas perde realmente a capacidade de aprendizado, tornando-se um repetidor de tiques e chavões, caquético antes do tempo.

Quem não sabe que, no meio acadêmico brasileiro, a receita uniforme, há mais de meio século, é Marx-Nietzsche-Sartre-Foucault-Lacan-Derrida, não se admitindo outros acréscimos senão os que pareçam estender de algum modo essa tradição, como Slavoj Zizek, Istvan Meszaros ou os arremedos de pensamento que levam, nos EUA, o nome de “estudos culturais”?

Daí a reação de horror sacrossanto, de ódio irracional, não raro de repugnância física, com que tantos estudantes das nossas universidades reagem a toda opinião ou atitude que lhes pareça antagônica ao que aprenderam de seus professores. Não que estejam realmente persuadidos, intelectualmente, daquilo que estes lhes ensinaram. Se o estivessem, reagiriam com o intelecto, não com o estômago. O que os move não é uma convicção profunda, séria, refletida: é apenas a impossibilidade psicológica de desligar-se, mesmo por um momento, do “eu” artificial aprendido, cuja construção lhes custou tanto esforço, tanto investimento emocional.

Justamente, a convicção intelectual genuína só pode nascer da experiência, do longo demorado com os aspectos contraditórios de uma questão, o que é impossível sem uma longa resignação ao estado de dúvida e perplexidade. A intensidade passional que se expressa em gritos de horror, em insultos, em afetações de superioridade ilusória, marca, na verdade, a fragilidade ou ausência completa de uma convicção intelectual. A construção em bloco de um personagem amoldado às exigências sociais e psicológicas de um ambiente ideologicamente carregado e intelectualmente pobre fecha o caminho da experiência, portanto de todo aprendizado subseqüente.

A irracionalidade da situação é ainda mais enfatizada porque o discurso desse personagem o adorna com o prestígio de um rebelde, de um espírito independente em luta contra todos os conformismos. Poucas coisas são tão grotescas quanto a coexistência pacífica, insensível, inconsciente e satisfeita de si, da afetação de inconformismo com a subserviência completa à autoridade de um corpo docente.

No auge da alienação, o garoto que passou cinco anos intoxicando-se de retórica marxista-feminista-multiculturalista-gayzista nas salas de aula, que reage com quatro pedras na mão ante qualquer palavra que antagonize a opinião de seus professores esquerdistas, jura, depois de ler uns parágrafos de Bourdieu para a prova, que a universidade é o “aparato de reprodução da ideologia burguesa”. Aí já não se trata nem mesmo de “paralaxe cognitiva”, mas de um completo e definitivo divórcio entre a mente e a realidade, entre a máquina de falar e a experiência viva.

Se, conforme se observou em pesquisa recente, cinqüenta por cento dos nossos estudantes universitários são analfabetos funcionais[4] – não havendo razão plausível para supor que a quota seja menor entre seus professores mais jovens –,  isso não se deve somente a uma genérica e abstrata “má qualidade do ensino”, mas a um fechamento de perspectivas que é buscado e imposto como um objetivo desejável.

Não que a presente geração de professores que dá o tom nas universidades brasileiras tenha buscado, de maneira consciente e deliberada, a estupidificação de seus alunos. Apenas, iludidos pelo slogan que os qualificava desde os anos 60 do século XX como “a parcela mais esclarecida da população”, tomaram-se a si próprios como modelos de toda vida intelectual superior e acharam que, impondo esses modelos a seus alunos, estavam criando uma plêiade de gênios. Medindo-se na escala de uma grandeza ilusória, incapazes de enxergar acima de suas próprias cabeças, tornaram-se portadores endêmicos da síndrome de Dunning-Kruger[5] e a transmitiram às novas gerações. Os cinqüenta por cento de analfabetos funcionais que eles produziram são a imagem exata da sua síntese de incompetência e presunção.



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Notas:

[1] V. Antoine Albalat, La Formation du Style par l'Assimilation des Auteurs (Paris, Alcan, 1901).
[2] V. sobre isso as considerações de Theodore M. Porter em Trust in Numbers. The Pursuit of Objectivity in Science and Public Life,  Princeton University Press, 1995, pp. 12-17.
[3] Digo isso com a consciência tranqüila de haver cumprido esse dever. Ao longo dos anos, introduzi no espaço mental brasileiro mais livros e autores essenciais  do que todos os corpos docentes de faculdades de filosofia neste país, somados aos “formadores de opinião” da mídia popular. Em vez de me agradecer, ou de pelo menos ter a sua curiosidade despertada pela súbita abertura de perspectivas, estudantes e professores, com freqüência, me acusaram de “citar autores desconhecidos” – dando por pressuposto que tudo o que é ignorado no seu ambiente imediato é desconhecido do resto do mundo e não tem a mais mínima importância.
[4] V. http://www.folhapolitica.org/2014/02/pesquisador-conclui-que-mais-da-metade.html.
[5] Efeito Dunning-Kruger: incapacidade de comparar objetivamente as próprias habilidades com as dos outros. “Quanto menos você sabe sobre um assunto, menos coisas acredita que há para saber.” V. David McRaney, You Are Not So Smart, London, Oneworld Publications, 2012, pp. 78-81.